FEL PARA UM EMBUSTEIRO
(Lances Gaiatos do Teatro)
Assis Martins*
Os homens inclinam-se naturalmente a julgar virtuosos os
outros homens; é aí que está a vantagem dos impostores e trapaceiros. (Abade GALLIANI – 1728-1787).
Está
no misto do anedótico e veraz cearense uma presepada das grandes que fizeram
com o Chico Bastião, numa representação do Mártir do Gólgota (Almeida Garret),
aqui em Fortaleza. Ele era um dos atores mais competentes no papel de Jesus
Cristo, durante muitos anos. Uns dizem que aconteceu nos palcos da Piedade,
outros informam que foi no Theatro José de Alencar. A autoria da brincadeira é
atribuída em versões diversas a pessoas diferentes, mas a maioria assevera que
aconteceu, de verdade.
Nos
intervalos das peças, a birita corria sempre solta. A canalha levava o
tira-gosto que, escondido entre as rotundas e cenários de papel de cimento,
fazia o regalo dos papudinhos, com o devido cuidado para o diretor não
descobrir. O resultado era a euforia geral no fim dos espetáculos. Ainda bem
que não havia exame antidoping nos
apóstolos; tampouco nos figurantes.
Nem na Guarda Pretoriana.
Até
que a brincadeira não melindrou o Chico. Pelo contrário. Ele até gostou.
Aconteceu no palco do [...]. Já ouvi diversas variantes, com menção a locais
diferentes.
Final
dos últimos atos, casa superlotada, o pessoal já muiado e, em cena, o Cristo, moribundo na Cruz, consegue balbuciar: – Tenho sede! Deem-me água...! Um
soldado responde com rispidez: – Prova deste fel; tu bem o mereces,
embusteiro...! Então, esfrega na Sua boca uma lança com a ponta enrolada
com algodão embebido em cachaça Palmacinha.
E
eis que o grande ator sacrodramático, Chico do Bastião, consegue ainda dizer,
antes do Consummatum est: mais fel, mais fel...
*Assis Martins
Funcionário da U.F.C.
Cronista e Ilustrador.
Bacharel em Geografia e Tecnologia e Gestão do Ensino Superior
pela Universidade Federal do Ceará.
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