Um Assunto Puxa Outro
Muitas
vezes, fico imaginando como é interessante esse mecanismo ocorrente quando as
pessoas, Conhecidas ou não, conversam e os temas vão se diversificando dinamicamente,
assim como se um assunto puxasse o outro.
Parece que
determinadas palavras servem de senha para outras que pertencem a um contexto
totalmente diverso. Por exemplo, quando alguém diz por falar nisso, me
lembrei que...; ou, então, agora que você disse isso, eu vou lá e...
Essas
divagações me ocorreram quando vi um acontecimento inusitado numa avenida
próxima ao meu trabalho, aqui em Fortaleza.
Acreditem
ou não, um peixe foi atropelado!
Exatamente
isso: ocorreu o atropelamento de um
peixe, o que ensejou o ajuntamento de várias pessoas, cada qual com opiniões as
mais diferentes.
O fato
aconteceu numa área de grande tráfego, aumentado nesse dia em razão de obras
nas vias adjacentes, o que obrigava todos os condutores a desembocarem seus
veículos naquela esquina. Era uma tremenda confusão: motoristas impacientes, motoboys afoitos, semáforos inúteis e
pedestres reticentes na travessia. Inclusive eu.
Foi quando
notei o peixeiro, apressado com o seu produto no ombro, dando sinais de
impaciência, esperando uma brecha para passar. Inopinadamente, deu um pique na
minha direção e por pouco não foi atropelado por um ônibus. Se ele, porém,
teve sorte, o mesmo não se pode dizer da sua valiosa mercadoria, pois um peixe
se soltou das amarras e "plaft!" Foi colhido por um carro que vinha
logo atrás.
Desconsolado,
com o susto ainda visível em todo o semblante, o pobre apenas balbuciava: eita
pau, logo o maior...!
Nesse
momento, se formou um grupo ao seu redor – donas de casa, estudantes,
malandros, empregadas domésticas e até um senhor de óculos, portando valise e
com cara de intelectual.
É de praxe, nessas ocasiões, surgirem os comentários, todos falando ao mesmo tempo e com muita propriedade, num entrecruzar de assuntos.
– Puxa
vida, que sorte a sua; agora, o coitado do peixe...!
– Peixão bonito! Acho que é um pargo, ou será uma guaiúba?
– O senhor
tem razão, o vulgo chama esse peixe de pargo, mas na realidade é uma espécie de
Pagrus Pagrus, classe Actinopterygii, ordem Perciformes,
da família Sparidae. Encontra-se em fundos rochosos nas regiões
costeiras dos 10 aos 300 metros de profundidade. É hermafrodita e... (Depois, procurei saber, ele era pesquisador
do LABOMAR – U.F.C.)
– Eu acho
esse peixe tão reimoso!
– Não, mais reimoso é o cangulo!
– Ah!
cangulo é muito bom; então, no leite do coco... respeite!
O chato é
tirar o couro dele, que é muito duro.
– Irmão, que vacilo! Tu devia ter dado um tempo que ainda tava com o tira-gosto aí inteirão (sic) – opina um jovem, com um peixinho tatuado no ombro.
Aos poucos,
esfriada a novidade, o grupo foi se dissolvendo, cada um retomando o
itinerário. Restou apenas um senhor idoso, que tentou confortar o peixeiro.
– Se
aperreie não! o senhor ainda ficou com três peixes e não teve nenhum arranhão,
o que é mais importante.
– É verdade, mais tem Deus pra me dar.
O pobre
pargo (ou Pagrus Pagrus) ficou lá esmagado no asfalto e os dois se foram
conversando. Ninguém sabe os assuntos daquele diálogo. Talvez alguma coisa em
comum – pescarias, infâncias à beira-mar, as farras da juventude, mulheres
apetitosas etc.
As
palavras, uma vez ditas, não voltam. Parece que elas ficam pairando no espaço,
e, na ocasião propícia, em situações muitas vezes esdrúxulas, se encaixam em
diálogos entre pessoas que provavelmente nunca mais se encontrarão.
*Assis
Martins
Funcionário da U.F.C.
Cronista e Ilustrador.
Bacharel em Geografia e
Tecnologia e Gestão do Ensino Superior
pela Universidade Federal do Ceará.
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