PERCALÇOS NA
FEITURA DE UM LIVRO
Vianney Mesquita*
Grande livro seria aquele em que a metade do gênero
humano lesse o que pode e deve oferecer aos demais cinquenta por cento! (SEVERO CATALINA DEL AMO. Y Cuenca, 1832; † Madrid, 1871 – 39 anos).
Dias
atrás, na décima oitava oportunidade na vida, passei pela emoção de ensaiar
experiência ditosa: a de recolher o recheio da étagére, abrangendo textos do meu varejo escritural, com data inaugurativa
em setembro de 2014 (e previsão de lançamento em julho-2015), quando já houvera
pinçado o sortimento textual que encorpou o livro Nuntia Morata – Ensaios e Recensões, publicado em 02 de outubro do ano imediatamente transato.
Este
sucesso dista do primeiro evento exatos 31 anos, quando, em Sobre Livros – Aspectos da Editoração
Acadêmica (Brasília:Proed/Fortaleza: Edições UFC – 1984), trouxe ao lume,
em avant première autoral, as compreensões acerca da edição de trabalhos no
âmbito das casas publicadoras das universidades federais brasileiras, no ensejo
em que desenvolvi as atividades de secretário-executivo da citada Editora da
Universidade Federal do Ceará, vitoriosa – e ainda persistente – iniciativa do
preclaro reitor Prof. Paulo Elpídio de Meneses Neto, hoje sob as mãos
diligentes do Professor Antônio Cláudio Lima Guimarães, pessoa desprovida de
qualquer defeito.
Os
originais transitam sob a desvelada atenção do professor, imortal da Academia
Cearense de Literatura e Jornalismo, Geraldo Jesuino da Costa, o mago da
editoração cearense, que procede, com arte, graça e profissionalismo, aos
provimentos estéticos das modernas artes gráficas, com vistas a conferir aos Guardados da Minha Étagére – Aproximações Literocientíficas – a configuração continental do volume,
consentânea em relação às exigências da Modernidade no concernente à
manifestação graficovisual do livro de papel. Afortunadamente, pois, não se
podendo contar com a qualidade e o alcance do CONTEÚDO das minhas nem sempre assentes
concepções, por seguro, pelo menos, remanescerá garantida a essência do
CONTINENTE, a ser explícita por tão alteado intelectual e artista coestaduano,
como fez com sua pintura excepcional nas capas do mencionado Sobre Livros, bem assim, mais
recentemente, do Arquiteto a Posteriori
(2013) e de Nuntia Morata (2014).
Já
no Posfácio de Impressões – Estudos de
Literatura e Comunicação (Fortaleza: Agora, 1989), eu já exprimia a noção
de que edificar uma obra, por simples que saiam seus teores, não encerra mera
operação gráfica, como pensam, decerto, aqueles ainda à espera de publicar um
livro, conquanto já hajam trespassado os outros dois pressupostos ditos para o
ente humano estacionar-se feliz: gerar um filho e plantar uma árvore.
Operado
por dezenas de mentes, triplicado número de mãos e muitas naturezas em
pensamento – inclusos os “arquitetos ao depois” – o livro, malgrado o
desembaraço da editoração moderna em computação gráfica, sempre ensejará algo a
se pretender, em virtude daquela heterogeneidade operacional, a torná-lo
rebento de uma coletividade fundada pelas pessoas que, afetuosamente ou não, o
constituíram.
Neste
caminho, onde não apenas medram inteligências, mas também prosperam espinhos e
calhaus pontiagudos, não sei mais asseverar se quem escreveu ou – mais bem
terminante – aquele tangido pela conceição intelectiva, é, na realidade, o
componente mais valioso desta complicada, dispendiosa e dulcíssima empresa.
A
fim de se alevantar um produto escrito, há vera convergência de forças, para,
uma vez juntadas todas as pedras desse quebra-cabeça lúdico-intelectivo, se
aportar à consecução da sua finalidade.
Por
conseguinte, no emaranhado de ideações, em teia enredada de intenções, é que
podem aparecer os equívocos, máxime para os leitores mais aprestados, como
(folgo com isso dizer) ocorrem ser os meus, componentes do “alto clero” do
“Vaticano” acadêmico do Ceará.
Sucedem,
quase sempre, os vieses do autor, pretensa primeira figura do empreendimento
librário. Aparecem suas proposições desacertadas e confusas, assentadas em
fontes também falazes, indutoras compulsórias aos enganos. Surde a
multiplicidade de procedimentos, uns editoriais, outros plásticos e demais
condutas gráficas, muitas vezes carentes de concertos e consertos,
sem contar com as reiteradamente descabidas incursões do escritor aos
originais, para modificar, mexer, introduzir adendas, transmudar a versão
anterior e, mui especialmente, a fim de desequilibrar a paciência dos
operadores, os quais, no fim, jamais são reconhecidos, no entanto, restam inculpados
pelos desacertos eternamente conduzidos pela publicação, a induzirem à falácia
milhares, talvez milhões, de desavisados consultantes.
Acontece
de ser, pois, nesta baralhada toda que o modelo enseja o registo de erros não
reparáveis – raríssimamente nenhum, nas
mais das vezes muitos e reiteradamente alguns.
Descansa
no anedotário e no folclore das antigas tipografias, reverberando até hoje na
ambiência das gráficas modernas, a mofa segundo a qual editores e operadores
tipográficos asseveram – seja isto registado, e com sobrada razão – o fato de
ser o autor o que mais atrapalha a obra. Para alguns, melhor seria que as
produções a editar não tivessem escritores. Não fosse assim, contudo, não
haveria quefazer para os críticos – os mencionados arquitetos ao depois, que desmancham as obras e, ao remontá-las,
sobram esses parafusos da capa do Arquiteto
a Posteriori (foto), que a diligência e o desvelo profissional do acadêmico
Geraldo Jesuino da Costa retrataram na cobertura deste (quiçá) arremedo
editorial da minha colheita, lançado em 2013.
Conquanto
seja fato latente na execução de qualquer trabalho editorial, ordena-me a
consciência evidenciar a coautoria de editor, capista, revisores,
prefaciadores, autores de guarnições, bibliotecários, digitadores, amigos e
conselheiros – bons muitos, mas insuportáveis outros – para se poder perlustrar
ínvios quanto livres caminhos, a fim de cumprir um desiderato: o de a pessoa
humana deixar marca por onde transita, como no verso de Ovídio – Non omnia moriar. (1).
De
todo modo, também como sucedeu com os demais, ocorre com este nascituro projeto
de livro – Guardados da Minha Étagere – Aproximações Literocientíficas – com o qual me afanei,
prazerosamente, em dias às centenas e no curso de milhares de horas, subtraídas
ao sossego corporal para labor do espírito.
Malgrado
possa ele ser objeto dos retrocitados transtornos editoriais, assevero haver
sido fomentado com estreme atenção, conquanto, me insertando na posição de
mortal, explique, sem a pretensão de justificar, alguns lapsos que poderão nele
vir explícitos. Terêncio defende-me: Homo
sum. Humani nihil a me alienum cogito (2). E caso, todavia, não tenha
logrado que o nascente volume se compadeça à expectação do meu leitorado,
sobejou a intenção, decerto, nobilitante de o ter pretendido fazer.
Quid deceat, quid non. (3).
1) Não morrerei completamente –
frase da autoria de Públio OVÍDIO Nasão, poeta romano, retratando o fato de que
o homem deixa obras edificadas. Daí, a morte incompleta: vão-se os homens, permanecendo, porém, suas obras.
2)
Sou homem e nada reputo a mim alheio do
que é humano – sentença célebre da lavra de Públio Terêncio Afro, poeta
cômico tunisino (Cartago), tirando a responsabilidade do ser humano naquilo que
não pode fazer
(3)
O que convém, o que não convém. Preceito de
Quinto Horácio Flaco, poeta latino nascido na Apúlia, expresso na Arte Poética, 308. Corrija-se
o que é mau, conserve-se o que é bom; veja-se quid deceat, quid non.
*Vianney Mesquita
Escritor e Jornalista
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