segunda-feira, 27 de abril de 2015

ARTIGO (VM)


PERCALÇOS NA
FEITURA DE UM LIVRO
Vianney Mesquita*

Grande livro seria aquele em que a metade do gênero humano lesse o que pode e deve oferecer aos demais cinquenta por cento! (SEVERO CATALINA DEL AMO. Y Cuenca, 1832; Madrid, 1871 – 39 anos).

Dias atrás, na décima oitava oportunidade na vida, passei pela emoção de ensaiar experiência ditosa: a de recolher o recheio da étagére, abrangendo textos do meu varejo escritural, com data inaugurativa em setembro de 2014 (e previsão de lançamento em julho-2015), quando já houvera pinçado o sortimento textual que encorpou o livro Nuntia Morata – Ensaios e Recensões, publicado em 02 de  outubro do ano imediatamente transato.

Este sucesso dista do primeiro evento exatos 31 anos, quando, em Sobre Livros – Aspectos da Editoração Acadêmica (Brasília:Proed/Fortaleza: Edições UFC – 1984), trouxe ao lume, em avant première autoral, as compreensões acerca da edição de trabalhos no âmbito das casas publicadoras das universidades federais brasileiras, no ensejo em que desenvolvi as atividades de secretário-executivo da citada Editora da Universidade Federal do Ceará, vitoriosa – e ainda persistente – iniciativa do preclaro reitor Prof. Paulo Elpídio de Meneses Neto, hoje sob as mãos diligentes do Professor Antônio Cláudio Lima Guimarães, pessoa desprovida de qualquer defeito.

Os originais transitam sob a desvelada atenção do professor, imortal da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, Geraldo Jesuino da Costa, o mago da editoração cearense, que procede, com arte, graça e profissionalismo, aos provimentos estéticos das modernas artes gráficas, com vistas a conferir aos Guardados da Minha ÉtagéreAproximações Literocientíficas – a configuração continental do volume, consentânea em relação às exigências da Modernidade no concernente à manifestação graficovisual do livro de papel. Afortunadamente, pois, não se podendo contar com a qualidade e o alcance do CONTEÚDO das minhas nem sempre assentes concepções, por seguro, pelo menos, remanescerá garantida a essência do CONTINENTE, a ser explícita por tão alteado intelectual e artista coestaduano, como fez com sua pintura excepcional nas capas do mencionado Sobre Livros, bem assim, mais recentemente, do Arquiteto a Posteriori (2013) e de Nuntia Morata (2014).

Já no Posfácio de Impressões – Estudos de Literatura e Comunicação (Fortaleza: Agora, 1989), eu já exprimia a noção de que edificar uma obra, por simples que saiam seus teores, não encerra mera operação gráfica, como pensam, decerto, aqueles ainda à espera de publicar um livro, conquanto já hajam trespassado os outros dois pressupostos ditos para o ente humano estacionar-se feliz: gerar um filho e plantar uma árvore.

Operado por dezenas de mentes, triplicado número de mãos e muitas naturezas em pensamento – inclusos os “arquitetos ao depois” – o livro, malgrado o desembaraço da editoração moderna em computação gráfica, sempre ensejará algo a se pretender, em virtude daquela heterogeneidade operacional, a torná-lo rebento de uma coletividade fundada pelas pessoas que, afetuosamente ou não, o constituíram.

Neste caminho, onde não apenas medram inteligências, mas também prosperam espinhos e calhaus pontiagudos, não sei mais asseverar se quem escreveu ou – mais bem terminante – aquele tangido pela conceição intelectiva, é, na realidade, o componente mais valioso desta complicada, dispendiosa e dulcíssima empresa.

A fim de se alevantar um produto escrito, há vera convergência de forças, para, uma vez juntadas todas as pedras desse quebra-cabeça lúdico-intelectivo, se aportar à consecução da sua finalidade.

Por conseguinte, no emaranhado de ideações, em teia enredada de intenções, é que podem aparecer os equívocos, máxime para os leitores mais aprestados, como (folgo com isso dizer) ocorrem ser os meus, componentes do “alto clero” do “Vaticano” acadêmico do Ceará.

Sucedem, quase sempre, os vieses do autor, pretensa primeira figura do empreendimento librário. Aparecem suas proposições desacertadas e confusas, assentadas em fontes também falazes, indutoras compulsórias aos enganos. Surde a multiplicidade de procedimentos, uns editoriais, outros plásticos e demais condutas gráficas, muitas vezes carentes de concertos e consertos, sem contar com as reiteradamente descabidas incursões do escritor aos originais, para modificar, mexer, introduzir adendas, transmudar a versão anterior e, mui especialmente, a fim de desequilibrar a paciência dos operadores, os quais, no fim, jamais são reconhecidos, no entanto, restam inculpados pelos desacertos eternamente conduzidos pela publicação, a induzirem à falácia milhares, talvez milhões, de desavisados consultantes.

Acontece de ser, pois, nesta baralhada toda que o modelo enseja o registo de erros não reparáveis – raríssimamente nenhum, nas mais das vezes muitos e reiteradamente alguns.

Descansa no anedotário e no folclore das antigas tipografias, reverberando até hoje na ambiência das gráficas modernas, a mofa segundo a qual editores e operadores tipográficos asseveram – seja isto registado, e com sobrada razão – o fato de ser o autor o que mais atrapalha a obra. Para alguns, melhor seria que as produções a editar não tivessem escritores. Não fosse assim, contudo, não haveria quefazer para os críticos – os mencionados arquitetos ao depois, que desmancham as obras e, ao remontá-las, sobram esses parafusos da capa do Arquiteto a Posteriori (foto), que a diligência e o desvelo profissional do acadêmico Geraldo Jesuino da Costa retrataram na cobertura deste (quiçá) arremedo editorial da minha colheita, lançado em 2013.

Conquanto seja fato latente na execução de qualquer trabalho editorial, ordena-me a consciência evidenciar a coautoria de editor, capista, revisores, prefaciadores, autores de guarnições, bibliotecários, digitadores, amigos e conselheiros – bons muitos, mas insuportáveis outros – para se poder perlustrar ínvios quanto livres caminhos, a fim de cumprir um desiderato: o de a pessoa humana deixar marca por onde transita, como no verso de Ovídio – Non omnia moriar. (1).

De todo modo, também como sucedeu com os demais, ocorre com este nascituro projeto de livro – Guardados da Minha Étagere Aproximações Literocientíficas com o qual me afanei, prazerosamente, em dias às centenas e no curso de milhares de horas, subtraídas ao sossego corporal para labor do espírito.

Malgrado possa ele ser objeto dos retrocitados transtornos editoriais, assevero haver sido fomentado com estreme atenção, conquanto, me insertando na posição de mortal, explique, sem a pretensão de justificar, alguns lapsos que poderão nele vir explícitos. Terêncio defende-me: Homo sum. Humani nihil a me alienum cogito (2). E caso, todavia, não tenha logrado que o nascente volume se compadeça à expectação do meu leitorado, sobejou a intenção, decerto, nobilitante de o ter pretendido fazer.

Quid deceat, quid non. (3).


1) Não morrerei completamente – frase da autoria de Públio OVÍDIO Nasão, poeta romano, retratando o fato de que o homem deixa obras edificadas. Daí, a morte incompleta: vão-se os homens,  permanecendo, porém,  suas obras.

2) Sou homem e nada reputo a mim alheio do que é humano – sentença célebre da lavra de Públio Terêncio Afro, poeta cômico tunisino (Cartago), tirando a responsabilidade do ser humano naquilo que não pode fazer

(3) O que convém, o que não convém. Preceito de Quinto Horácio Flaco, poeta latino nascido na Apúlia, expresso na Arte Poética, 308. Corrija-se o que é mau, conserve-se o que é bom; veja-se quid deceat, quid non.


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista

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