O LEGADO
SOFISTA
Rui Martinho
Rodrigues*
A democracia nasceu na Grécia, embora com algumas
características não muito democráticas, como escravismo e sacrifício de
crianças (eugenia negativa). Era apenas o embrião de democracia, não democracia
propriamente. Prevalecia nela o coletivo sobre o indivíduo, sem reservas,
volatilizando as garantias individuais. Daí a admissão do sacrifício de
crianças. A semente da democracia, todavia, estava plantada. Consistia na ideia
de que as decisões coletivas deveriam seguir uma racionalidade demonstrável,
substituindo a força e o fato consumado, justificando as reuniões na ágora,
para discutir e votar.
Corromper as fórmulas políticas parece ser um traço
da condição humana. Logo surgiram defensores do relativismo radical. Os
sofistas representaram o refinamento destas teses. Na ausência de conhecimento
válido não subsiste razão, exceto aquela de quem exalta o relativo laxista. A
demonstração, alicerçada na razoabilidade e em evidências foi substituída pelo
convencimento. Era a decadência da civilização helênica e com ela da proto democracia grega, levada de roldão junto com a ética, o sentido da
realidade e a todas as referências pelas quais nos norteamos.
Paradoxalmente, porém, a desorientação do relativismo
extremado pode gerar a sensação de segurança das referências. A subordinação e
a entrega total ao discurso sofista geram uma sensação de segurança própria do
convencimento, não do conhecimento. Este depende de demonstrações com
razoabilidade, associada à lógica falibilista (não se confunda o falibilismo
popperiano com a dúvida metódica cartesiana). A certeza não é filha da razão,
mas do convencimento. Contemporaneamente o convencimento virou técnica refinada
e assumiu o controle da política. Marqueteiros são convocados, sempre que se
verifica um fato político importante. Aconselham líderes e influenciam o
público.
Quem adere ao relativismo laxista, nos planos
cognitivo e moral, sabe mentir de modo convincente. Representa indignação de
acordo com o desiderato de substituir a demonstração pelo convencimento. Uma
consequência imediata é desviar o debate dos fatos e ideias para o campo
pessoal, desqualificando o interlocutor. O ataque substitui a acusação. Não se
discutem as ideias, mas se o interlocutor e de “direita” ou “esquerda”. Não se
procura demonstrar a efetividade de medidas propostas, deslocando-se o debate
para o campo das intenções, dizendo quem é a favor ou contra “o bem”.
Assim, as pessoas são discriminadas como “do bem” ou
“do mal”. As intenções em favor do bem “legitimam” as políticas. O desprezo
pelas evidências implica em fechar os olhos para a realidade. A suposta
superioridade moral das pessoas “do bem”, leva ao ódio para com os “do mal”
(Marilena Chauí falando da classe média). Estimular o ódio e atribuir esta
prática inescrupulosa ao outro é tática de convencimento.
Daí resultam erros crassos na condução da economia, reiteradamente praticados.
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