O FOCO, A ÊNFASE E A REPETIÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*
Os
limites da percepção sofrem os efeitos do confinamento. Quem só ouve os seus
pares perde contato com a realidade. Foi o que aconteceu durante a luta armada,
fato conhecido como “paranoia dos aparelhos”. Tudo que discordasse do discurso
dos companheiros era mentira. A avaliação das condições objetivas da luta
resultou estupidamente errada.
O
conhecimento pode ser obstáculo ao conhecimento (Gaston Bachelard); ou cegueira
dos paradigmas (Thomas Kuhn). A catequese nas escolas e universidades, somada à
doutrinação dos partidos e meios de comunicação levou à cegueira aludida,
obstáculo ao conhecimento.
A
desinformação também se faz presente. Foco, ênfase e repetição miram no
“bandido” Eduardo Cunha, tão “bandido” quanto Sarney, Jáder Barbalho e Maluf. A
reabilitação pode vir, conforme a conveniência. Qual a importância do
personagem? Liderou ou presidiu o próprio partido? Não. Governou Estado, foi
senador, prefeito de grande cidade ou ministro? Não. O presidente da Câmara tem
autoridade sobre os deputados? Não. É apenas um deputado do “baixo clero”. Não
tem a importância que se lhe atribui. O propósito é colocá-lo no foco dos
acontecimentos para desviar a atenção dos escândalos que permeiam o Poder
Executivo, que é de fato poderoso e por isso é mais responsável; e deslegitimar
o impeachment.
Como
chegou a presidir a Casa e sob a sua presidência a Câmara deixou de ser servil
ao Executivo? Ele foi eleito presidente da Câmara quando o governo tentava
destruir o PMDB, estimulando a criação de partidos às expensas da citada
agremiação. Escândalos e impopularidade davam o tom da política. O PMDB era
chamado a apoiar as políticas do governo, mas não a participar da sua
formulação. A presidente tratava grosseiramente os parlamentares. Cunha não se
fez líder. O governo praticamente o nomeou para tal função. Ele apenas mostrou
disposição para enfrentar o rolo compressor do Planalto; conhece o Regimento
Interno da Câmara, e sabe dialogar com os pares.
Alega-se
que ele é investigado em grande número de inquéritos e até já foi denunciado,
com denúncia aceita pelo STF. Foco, ênfase e repetição se fazem ao abrigo do
esquecimento da garantia constitucional de presunção de inocência. Enquanto ele
não for condenado presume-se: é inocente. Não se pode restringir direitos sem
condenação prévia. Ele pode sim, presidir a Câmara. As “manobras” do Cunha são
procedimentos regimentais de defesa semelhantes aos que a Presidente da República
usa para se defender do impeachment.
O
senador Renan Calheiros é igualmente investigado em numerosos inquéritos. Não
foi denunciado ainda. O Procurador Geral da República, por coincidência, pediu busca e apreensão contra cinquenta e três deputados somente da ala
oposicionista do PMDB; por coincidência só denunciou o oposicionista Eduardo
Cunha, mas não denunciou o governista Renan Calheiros. Não existe um clamor contra
o presidente do Senado, que não é apontado como o “bandido Renan”, embora já
tenha passado por isso em outro momento. Paixão, conhecimento derivado de
catequese e interesse em desinformar estão na raiz de
tudo isso.
O
presidente da Câmara não manda nos deputados, é apenas um entre 513 votos. Suas
“manobras” são formalmente válidas e foram legitimadas pelo STF. Foco, ênfase e
repetição representam táticas inocentes ou desonestas de luta política.
Menti,
menti que alguma coisa há de ficar.
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