terça-feira, 26 de abril de 2016

APRECIAÇÃO LITERÁRIA - Causus Picarescos (VM)



CAUSOS PICARESCOS*
Vianney Mesquita**
                                                      

Prefiro saber apreciar o que não posso ter a ter o que não posso apreciar.

(Orison Sweet MARDEN. Escritor, médico e empresário estadunidense. Y1850 - V1924).



Quem ainda não conhecia o Tom Soares comprova, com a edição deste livro – É Sempre uma Festa – ser ele um excecional narrador de causos. Revela-se deveras surpreendente o fato de o autor lograr facilmente a transferência, para o papel, com a mesma graça e igual tom mordaz, das lérias narradas por via da oralidade, ao destacar o veio artístico, a gaiatice e a molecagem cearenses, capazes até de vaiar o sol, quando este apareceu depois de braba invernada, na Praça do Ferreira, em Fortaleza.



Leva muito jeito o Tom para o mister de contar esses gimmics pracianos e beiradeiros, no exagero dos modos, valorização do conteúdo e atavio com sua estória moleque imprimidos aos mais desapercebidos detalhes na manifestação dos seus protagonistas.

O jeito saboroso de contar, ao que se alia o aspecto coloquial da fala, harmonizando com a correção da linguagem, confere ao leitor a certeza de que este toma contato com um escritor maduro, prontificado devidamente para empreender voos mais alçados na seara das letras em seus diversificados gêneros de ficção.

A estratégia da surpresa, no final de cada uma das suas petites histoires, traz a faculdade de propiciar, a todo período, o interesse crescente pela leitura, sem revelar o desfecho do enredo, como sucede com narradores de menor fortuna. De tal modo, o derradeiro parágrafo é constantemente o remate da estória, ora em definitivo, às vezes em reticências, cometendo a quem lê o desenlace da trama.

Curtos na forma, expressivos e diretos nas ideias, os causos enfeixados neste volume constituem amostras do enorme universo de nossas traquinadas, feliz e inteligentemente preparadas para os momentos de ócio e descanso, refrigério para a fadiga do trabalho, muitas vezes maçante, a que estamos submetidos, quando somos forçados, constantemente, às adaptações das regras globalizantes.

O certo é que as circunstâncias esdrúxulas, de ordinário, nos trazem ensinamentos e se prestam como matéria-prima de qualidade para acumulação do nosso já riquíssimo anedotário, em particular, quando há quem o registre em memória mais consistente, conforme é o caso do livro feito veículo.

Chamamos aqui a atenção para o fato de que a cearensidade nos conduz a produzir, com supedâneo nesses argumentos – conforme essas estórias de Tom Soares – novas versões enriquecidas e ornadas com os adereços de épocas, locais e pessoas. Daí por que, com arrimo somente na transmissão oral, não se tem a origem exata de um fato jocoso, uma estória, uma léria, uma piada, pois sempre aberta ao campo prolífico das adaptações.

É Sempre uma Festa colige uma composição bem urdida em matrizes e teores, feita de lorotas, burlas e deleitosos chistes, de estudo para tirar do sério muita alma empedernida, muito coração indiferente, dando ensejo a gostosas gargalhadas, com vistas a desopilar vísceras em mau funcionamento.


*Texto condensado do livro Fermento na Massa do Texto (Apreciações). Sobral: Edições UVA, 2001, pp. 51-2).


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