CAUSOS PICARESCOS*
Vianney
Mesquita**
(Orison Sweet
MARDEN. Escritor, médico e empresário estadunidense. Y1850 - V1924).
Quem
ainda não conhecia o Tom Soares comprova, com a edição deste livro – É Sempre
uma Festa – ser ele um
excecional narrador de causos. Revela-se deveras surpreendente o fato de o
autor lograr facilmente a transferência, para o papel, com a mesma graça e
igual tom mordaz, das lérias narradas por via da oralidade, ao destacar o veio
artístico, a gaiatice e a molecagem cearenses, capazes até de vaiar o sol,
quando este apareceu depois de braba invernada, na Praça do Ferreira, em
Fortaleza.
Leva
muito jeito o Tom para o mister de contar esses gimmics pracianos e beiradeiros, no exagero dos modos, valorização
do conteúdo e atavio com sua estória moleque imprimidos aos mais desapercebidos
detalhes na manifestação dos seus protagonistas.
O
jeito saboroso de contar, ao que se alia o aspecto coloquial da fala,
harmonizando com a correção da linguagem, confere ao leitor a certeza de que
este toma contato com um escritor maduro, prontificado devidamente para
empreender voos mais alçados na seara das letras em seus diversificados gêneros
de ficção.
A
estratégia da surpresa, no final de cada uma das suas petites histoires, traz a faculdade de propiciar, a todo período, o
interesse crescente pela leitura, sem revelar o desfecho do enredo, como sucede
com narradores de menor fortuna. De tal modo, o derradeiro parágrafo é
constantemente o remate da estória, ora em definitivo, às vezes em reticências,
cometendo a quem lê o desenlace da trama.
Curtos
na forma, expressivos e diretos nas ideias, os causos enfeixados neste volume
constituem amostras do enorme universo de nossas traquinadas, feliz e
inteligentemente preparadas para os momentos de ócio e descanso, refrigério
para a fadiga do trabalho, muitas vezes maçante, a que estamos submetidos,
quando somos forçados, constantemente, às adaptações das regras globalizantes.
O
certo é que as circunstâncias esdrúxulas, de ordinário, nos trazem ensinamentos
e se prestam como matéria-prima de qualidade para acumulação do nosso já
riquíssimo anedotário, em particular, quando há quem o registre em memória mais
consistente, conforme é o caso do livro feito veículo.
Chamamos
aqui a atenção para o fato de que a cearensidade
nos conduz a produzir, com supedâneo nesses argumentos – conforme essas
estórias de Tom Soares – novas versões enriquecidas e ornadas com os adereços
de épocas, locais e pessoas. Daí por que, com arrimo somente na transmissão
oral, não se tem a origem exata de um fato jocoso, uma estória, uma léria, uma
piada, pois sempre aberta ao campo prolífico das adaptações.
É Sempre uma Festa
colige uma composição bem urdida em matrizes e teores, feita de lorotas, burlas
e deleitosos chistes, de estudo para tirar do sério muita alma empedernida,
muito coração indiferente, dando ensejo a gostosas gargalhadas, com vistas a
desopilar vísceras em mau funcionamento.
*Texto condensado do livro Fermento na Massa do Texto (Apreciações).
Sobral: Edições UVA, 2001, pp. 51-2).
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