O DESAFIO DO ENIGMA
Rui Martinho Rodrigues*
Uma crise econômica, política e de
natureza ética não poderia deixar de afetar as instituições. Elas são dirigidas
e representadas por pessoas. As crises citadas envolvem os sujeitos da
história. As agremiações políticas, tão necessárias ao sistema representativo,
estão desmoralizadas. O Parlamento e o Executivo estão com a representatividade
e a credibilidade perigosamente abaladas.
O Pretório Excelso, por seu turno, levado pela
fragilidade dos poderes representativos, embriagado com a “nova hermenêutica”
que prescreve um certo ativismo judicial, politizou-se. Ao fazê-lo, usurpou a
função legislativa, sem ter a menor representatividade. Deixa de ser excelso, pois, no sentimento do povo, não paira mais no olimpo da isenção jurídica absoluta.
A ética segundo a qual os fins
justificariam os meios degenerou a política. O financiamento por vias
tortuosas; as alianças baseadas na corrupção dos agentes políticos, sem arrimo
em programas, fizeram do cinismo e do deboche normas de conduta. Acusados não
se defendem. Limitam-se a compartilhar culpas, acusando da mesma prática outros atores do teatro
de horrores da política. Confessam
conhecer crimes dos seus antecessores sem que tenham providenciado o
enquadramento dos mesmos durante longos anos no poder, confessando
implicitamente uma omissão criminosa.
O chamado presidencialismo de coalizão é um presidencialismo de cooptação praticada por meios ilícitos. Analogamente
aos resíduos e derivações de Vilfredo Pareto (polímata italiano - YParis, 1848 VCéligny, 1923) estamos vendo algo assemelhado
aos resíduos e derivações do patrimonialismo. A indiferenciação da fazenda
pública relativamente ao patrimônio privado dos dirigentes das instituições
produziu uma armadilha.
A prática da corrupção criou raízes,
institucionalizou procedimentos, inviabilizou condutas situadas no campo da
integridade. O presidencialismo de cooptação exauriu-se. As redes sociais
viabilizaram o protagonismo da maioria silenciosa, passando ao largo do
aparelhamento das instâncias formadoras de opinião e das supostamente
representativas da sociedade civil.
O sigilo bancário dos paraísos fiscais
foi relativizado, podendo ser quebrado por decisão judicial. Transações
inevitavelmente deixam rastros na era da telemática. Movimentações de pessoas
podem ser recompostas pelos sinais dos celulares. O que se diz pode ser gravado
em todas as circunstâncias. Registros de computadores não podem ser apagados
sem que possam ser recuperados. Já não existe segredo. O direito premial destampou
a caixa de Pandora.
A colaboração negocial rompeu a lei do
silêncio das organizações criminosas. O presidencialismo de cooptação tornou-se
inviável. Políticos e empresários ainda não perceberam a nova realidade. Haverá
um jeitinho brasileiro de salvar a fórmula apodrecida?
O pós-impeachment trará duros
desafios. A permanência do atual governo seria a consolidação do
presidencialismo de cooptação, com todos os seus vícios, agora inviabilizados
pela profunda crise econômica, o fim do segredo e da “lei” do silêncio. A
continuidade seria o prolongamento, e o aprofundamento da crise econômica, e a
institucionalização da prática do ilícito.
COMENTÁRIO:
As primeiras vítimas da AIDS foram injustiçadas pela sorte, conforme comentei em crônica de jornal nos anos 80. Havia milênios as pessoas faziam sexo com estranhos, com a maior sem-cerimônia, perseguidos aqui e ali por uma doença venérea, já todas raras e tratáveis, quando uma determinada geração mais promíscua foi castigada pelo surgimento da moléstia mortal e incurável. Morreram milhares de uranistas masculinos mundo afora, até que se compreendesse a nova realidade e se adotassem novas práticas e cautelas.
Agora se dá parecido com a política mundial, que desde sempre vivia de tratativas secretas e de negociatas tenebrosas, geralmente contrárias aos interesses das populações incautas, e de repente se viu pilhada pela eletrônica mais moderna, flagrada pelos Wikileaks da vida, vazada pelas redes sociais, captada pelas câmaras secretas, fotografada por mil aparelhos celulares, indelevelmente gravada na memória cibernética, exposta agora à sanha abelhuda dos "drones". Enfim, o verdadeiro "big brother" imaginado por Jorge Orwell em 1984.
Mas esse efeito da eletrônica é muito mais grave onde a mentira campeava, onde a corrupção era generalidade, tornando-se mesmo uma praxe institucional. Na ouvida da doleira Nelma Kodama, presa na Operação Lava-Jato, todas as atenções se voltaram para a sua declaração de amor ao seu chefe Alberto Youssef, e à demonstração que ela fez do local do corpo onde escondia os dólares com os quais fora flagrada. Porém, o ponto alto da sua fala, de profundo realismo, foi solenidade desprezado: “O Brasil é movido a corrupção. Se parar a corrupção, para o Brasil”.
Reginaldo Vasconcelos
Mas esse efeito da eletrônica é muito mais grave onde a mentira campeava, onde a corrupção era generalidade, tornando-se mesmo uma praxe institucional. Na ouvida da doleira Nelma Kodama, presa na Operação Lava-Jato, todas as atenções se voltaram para a sua declaração de amor ao seu chefe Alberto Youssef, e à demonstração que ela fez do local do corpo onde escondia os dólares com os quais fora flagrada. Porém, o ponto alto da sua fala, de profundo realismo, foi solenidade desprezado: “O Brasil é movido a corrupção. Se parar a corrupção, para o Brasil”.
Reginaldo Vasconcelos
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