UM BAR COM NOME DE CEARENSE
Wilson Ibiapina*
Morando ou não no Rio, se você não frequentou, pelo menos já ouviu falar
em um dos bares mais famosos da cidade maravilhosa. O Antonio's surgiu
em novembro de 1967, com o nome da
música Strangers in the Night. Imediatamente virou o ponto
de encontro de artistas, cineastas, jornalistas, intelectuais
e boêmios em geral, que movimentavam a noite do Rio.
Walter Clarck, diretor geral da TV Globo, foi um dos maiores incentivadores do
bar-restaurante. Ele garantia algumas noites repletas de globais, o que
alimentava a fama. O empresário Alex Gonçalves lembra que o sucesso
foi tão rápido quanto a decisão de Otto Lara Resende de trocar o
nome da casa instalada na loja C da Avenida Bartolomeu Mitre, 297.
O título da música que fazia sucesso na voz de
Frank Sinatra não agradou. O banqueiro José Luiz Magalhães Lins,
do Banco Nacional, rebatizou o restaurante de Antonio's em
homenagem ao cearense Antônio Pereira, o cozinheiro preferido de
Armando Nogueira, na época o todo poderoso diretor da Central Globo
de Jornalismo. Os outros dois sócios do bar eram
os espanhóis Manolo e Florentino. Os três viviam sob
a proteção do guarda chuva do Nacional. O cearense, pouco
depois foi trabalhar em Nova Iorque, mas deixou seu nome batizando o
recanto mais agradável da noite carioca.
O famoso Jornalista e escritor mineiro, Otto Lara Resende
aparecia lá quase todas as noites, para a alegria geral. O pernambucano Nelson
Rodrigues dizia que a grande obra de Otto Lara Resende era
a conversa. “Deviam pôr um taquígrafo atrás dele e vender suas anotações
em uma loja de frases". Pois foi esse frequentador assíduo que, certa
noite, encontrou os fregueses tristes, parecendo todos preocupados com os rumos
do regime militar que comandava o país.
Conta o jornalista Carlos Henrique
Santos que depois de alguns uísques, Otto, que nasceu com vocação
para a galhofa, elevou o tom de voz e fez um verdadeiro discurso desancando a
ditadura, convocando à resistência a juventude pensante ali presente (que outros
chamavam de esquerda festiva). E fechou o seu pronunciamento indignado, quase
aos gritos, desafiando os eventuais dedos-duros que se infiltravam no ambiente:
“E para provar que não tenho medo desses gorilas, vou dizer meu nome. Podem
anotar: “Eu me chamo José Aparecido de Oliveira...”
O chatíssimo Roniquito Chevallier, que perturbava a vida
de todo mundo, era outro que estava lá todas as noites. Brigava e apanhava
quando metia a mão no prato de comida das pessoas, ou cantava as senhoras
acompanhadas dos maridos. Roniquito era Ronald Wallace Carlyle de
Chevalier, irmão da jornalista Scarlet Moon de Chevalier.
Era amigo de juventude de Walter Clark, com quem trabalhou na TV Rio e
na Globo. Muito culto, formado em economia e, segundo Rui Castro, inventor da
palavra aspone. Rui acredita que Roniquito talvez tenha sido o
sujeito mais sem censura da história de Ipanema. “Dizia o que pensava para
qualquer um, não importava o cargo, a idade, a cor, o sexo, ou o tamanho da
pessoa”.
Quando Roniquito morreu de enfarte em 1983, Carlinhos Oliveira escreveu: "Ninguém podia ser patife
perto dele. Ninguém ousava". E Paulo Francis escreveu na Folha de S.
Paulo:"Roniquito fazia o que não temos coragem de fazer virar a mesa contra os horrores brasileiros.
O bar tem toda a sua história contada num livro que o
jornalista paulista Mário Almeida escreveu depois de longas
pesquisas. O jornalista Aramis Millarch, em matéria publicada em 1992
num jornal do Paraná, diz que o biógrafo do Antonio's dedica parte do livro ao
cronista capixaba Carlinhos de Oliveira que nos anos 60
emocionava milhares de leitores do Jornal do Brasil.
Aramis lembra
que José Carlos de Oliveira, como cronista do "Caderno B" do JB,
foi sem dúvida o mais folclórico e famoso de todos os fregueses
do Antonio’s de cuja varanda
escrevia sua coluna e ali permanecia, às vezes, até 40
horas ininterruptas.
Um dia o Antonio's foi invadido por ladrões que
prenderam os fregueses no banheiro. Foi de lá que Carlinhos fez um
apelo desesperado aos marginais: “Seu ladrão, leva os vales, leva os vales.
Essa caixinha de charutos no caixa...”
O Antonio's foi a capela sagrada da boemia que agitava as
noites do Rio nos anos 60 e 70. O cozinheiro cearense não deve ter ideia
do que se passou além do seu local de trabalho.
NOTA DO EDITOR:
Um dos principais personagens dessa bela crônica de
Wilson Ibiapina, o Roniquito, um dos ícones da juventude dourada do Rio de
Janeiro nos anos 60, tinha origem amazonense, pela parte paterna, e cearense,
pelo lado da mãe.
Ronald Wallace Carlyle de
Chevalier era filho do médico e político manauara Walmiki Ramayana de Paula e Souza
Chevalier, e da cearense Neusa Magalhães Cordeiro de Chevalier, que ainda vive,
muito idosa, em Copacabana.
Dona Neusa tem seu berço original na cidade cearense
de Ipapajé, para onde regularmente viajava. Da última vez que a jornalista,
atriz e escritora Scarlet Moon de Chevalier esteve em Fortaleza, para dar uma
palestra no Palácio da Abolição, a convite do então governador Ciro Gomes, encontrou-se
com seus parentes cearenses, de quem recebeu e levou fotografias de seus
antepassados.
Falecida em 2013, além de irmã de Roniquito, Scarlet foi mulher do
cantor Lulu Santos por 28 anos. Rita Lee lhe dedicou uma composição, que o marido gravou. Nas imagens, Scarlet Moon entre Lulu e Caetano Veloso, e sua avó, mãe de Ramayana, Raimunda
de Souza Chevalier.
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