PRAIA DO IDEAL
Reginaldo Vasconcelos*
O
encontro entre um ser convulso e um outro ser, manso mas escaldante, tal como o
mar e a areia da praia ao meio dia, se repete continuamente entre os jovens que
deslizam da cidade ao fim de semana em direção à orla idealense, um trecho
estreito que mal excede a um quarteirão, e que o Ideal Clube escraviza como
seu.
A
areia do Ideal foi sempre ideal para o amanho da paixão, no diálogo lúdico das
conquistas, nos olhos de água e nos dentes de sol das sereias que a frequentam,
na abordagem despretensiosa dos homem caçador, na verdade repleto em
pretensões. O mar, sempre cúmplice e alcoviteiro, com o seu contorcionismo
lúbrico.
Amor
e sol, sal e amavios, namorice e maresia. Neste jogo se sucedem gerações, que
se renovam e mudam de hábitos, mas jamais esquecem aquela praia. Só o fazedor
de caipirinhas, monumento de ébano, testemunha as coisas e o tempo como uma
estátua viva.
Há
vinte anos o negro Sebastião vende ali boa limonada, juntando em cada copo três
dedos de vertigem, que põem as ideias em tobogã, as cores mais vivas, o tempo
doce, o corpo leve, a vida mais fácil. O hercúleo Sebastião e os coqueiros
gigantes permanecem na paisagem da Praia do Ideal, por mais que o tempo passe,
porque o mais é flutuante.
Volto
ali uma vez, tantos anos depois, e descubro que em nenhum rosto me encontro
mais, de todas as rodas íntimas tão queridas do passado. Nenhum conhecido. No
entanto, uma menina lê para outra uma carta cursiva, e distante percebe
articular no fim da missiva a sentença “te amo, te amo, te amo”.
Não
ouvi as palavras, pois ruge a onda, bate o frescobol, deblateram meninos, na
balbúrdia organizada de uma praia. Mas li nos lábios de uma das moças a velha frase,
e lembrei-me de já tê-la dito eu mesmo ali, e de já tê-la ouvido ali mais de
uma vez, uma delas no inglês da Tony Harn: “I love you”.
Descubro
então que os rostos mudam, mas a Praia do Ideal é sempre a mesma, e a ela
outras Glaúcias, outras Graças, outras Anelenas semi-apaixonadas comparecem,
levando na bolsa e na alma o documento do seu amor.
Nota do autor:
Crônica produzida e publicada no Jornal Diário do Nordeste em setembro de 1984, e no livro Traços da Memória – Laços da Província-Volume I, em 1992. Hoje a Praia do Ideal sofreu aterro de engorda e se descaracterizou.
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