O AGRESSOR,
A LESÃO
E O MÉDICO
Rui Martinho Rodrigues*
O ministro Mercadante fez um esboço de
autocrítica. Falou, genericamente, em erros que se cometem no governo. Pediu o
apoio da oposição para os projetos de interesse do Estado, não do governo, embora
todas as iniciativas governamentais devessem ser de interesse do Estado e da
sociedade. Parece uma atitude avessa a arrogância tantas vezes exibida pelos
governantes. Mas o ministro acusou a operação Lava Jato, atribuindo-lhe culpa pela
recessão em que se encontra o Brasil. Admitiu, assim, que a recessão não é
importada, não decorre de uma suposta crise internacional.
A crítica não deixa de ser pitoresca e
trágica. Pitoresca porque é como atribuir ao médico a culpa pelos prejuízos sofridos
pela vítima de uma agressão com lesão corporal. O agressor causou fraturas na
vítima. O médico engessou-a. A vítima, impossibilitada de trabalhar, sofreu
prejuízos financeiros. Na óptica do ministro, a culpa da crise econômica é da
Lava Jato (e a presidente também disse isso), como se responsabilizasse o
médico, não o agressor, pelos prejuízos causados à vítima.
É trágico que alguém, nas mais altas
esferas da República, tenha uma visão tão enviesada. Parece atitude de advogado
defensor de um mau direito. Dirigentes da República não deveriam patrocinar
causas ruis, nem procurar desqualificar o trabalho da Polícia Federal,
do Ministério Público e da Justiça, nem se imiscuir no trabalho desses órgãos.
Caso policiais, procuradores e juízes cometam erros a tarefa de corrigi-los
cabe às instâncias recursais do Judiciário, das quais o Brasil é rico.
A iniciativa é ainda mais descabida
quando se leva em consideração que os tribunais superiores estão compostos por
ministros nomeados pelos atuais governantes. O STF acaba de decidir que não
existe conexão entre os processos originados da operação Lava Jato,
desmembrando-os. A mesma organização criminosa, os mesmos crimes, os mesmos
métodos e desideratos não foram suficientes para o STF reconhecer a conexão
entre os processos. A surpreendente decisão ameaça de nulidade parte do
trabalho desenvolvido na citada operação da PF, do MPF e alguns atos do juiz
Sérgio Moro. O Poder Executivo não precisa se
preocupar com a defesa dos seus parceiros que se encontram na condição de réus.
A estranha lógica que responsabiliza o
médico pelas lesões corporais decorrentes de agressão, quando foi esta que
tornou necessária a intervenção do esculápio; o espírito faccioso; a
solidariedade para com os transgressores; a ética situacional, que acaba por
ser mero oportunismo; tudo isso é parte de um projeto liberticida de poder. A solidariedade mafiosa é compartilhamento
de valores e é temor da delação dos companheiros.
A situação é gravíssima: “Ou o Brasil
acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”, rezava o brocardo dos anos 60. A "saúva" moderna deve ser combatida agora ou nunca.
Caso a Lava Jato seja destruída pela força do projeto de poder que se apoderou das instituições, não haverá saída institucional para evitar a venezuelização do Brasil.
Caso a Lava Jato seja destruída pela força do projeto de poder que se apoderou das instituições, não haverá saída institucional para evitar a venezuelização do Brasil.
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