segunda-feira, 28 de setembro de 2015

ARTIGO - O Agressor, a Lesão e o Médico (RMR)

O AGRESSOR,
A LESÃO
E O MÉDICO
Rui Martinho Rodrigues*

O ministro Mercadante fez um esboço de autocrítica. Falou, genericamente, em erros que se cometem no governo. Pediu o apoio da oposição para os projetos de interesse do Estado, não do governo, embora todas as iniciativas governamentais devessem ser de interesse do Estado e da sociedade. Parece uma atitude avessa a arrogância tantas vezes exibida pelos governantes. Mas o ministro acusou a operação Lava Jato, atribuindo-lhe culpa pela recessão em que se encontra o Brasil. Admitiu, assim, que a recessão não é importada, não decorre de uma suposta crise internacional.

A crítica não deixa de ser pitoresca e trágica. Pitoresca porque é como atribuir ao médico a culpa pelos prejuízos sofridos pela vítima de uma agressão com lesão corporal. O agressor causou fraturas na vítima. O médico engessou-a. A vítima, impossibilitada de trabalhar, sofreu prejuízos financeiros. Na óptica do ministro, a culpa da crise econômica é da Lava Jato (e a presidente também disse isso), como se responsabilizasse o médico, não o agressor, pelos prejuízos causados à vítima.

É trágico que alguém, nas mais altas esferas da República, tenha uma visão tão enviesada. Parece atitude de advogado defensor de um mau direito. Dirigentes da República não deveriam patrocinar causas ruis, nem procurar desqualificar o trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça, nem se imiscuir no trabalho desses órgãos. Caso policiais, procuradores e juízes cometam erros a tarefa de corrigi-los cabe às instâncias recursais do Judiciário, das quais o Brasil é rico.

A iniciativa é ainda mais descabida quando se leva em consideração que os tribunais superiores estão compostos por ministros nomeados pelos atuais governantes. O STF acaba de decidir que não existe conexão entre os processos originados da operação Lava Jato, desmembrando-os. A mesma organização criminosa, os mesmos crimes, os mesmos métodos e desideratos não foram suficientes para o STF reconhecer a conexão entre os processos. A surpreendente decisão ameaça de nulidade parte do trabalho desenvolvido na citada operação da PF, do MPF e alguns atos do juiz Sérgio Moro. O Poder Executivo não precisa se preocupar com a defesa dos seus parceiros que se encontram na condição de réus.

A estranha lógica que responsabiliza o médico pelas lesões corporais decorrentes de agressão, quando foi esta que tornou necessária a intervenção do esculápio; o espírito faccioso; a solidariedade para com os transgressores; a ética situacional, que acaba por ser mero oportunismo; tudo isso é parte de um projeto liberticida de poder. A solidariedade mafiosa é compartilhamento de valores e é temor da delação dos companheiros.

A situação é gravíssima: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”, rezava o brocardo dos anos 60. A "saúva" moderna deve ser combatida agora ou nunca. 

Caso a Lava Jato seja destruída pela força do projeto de poder que se apoderou das instituições, não haverá saída institucional para evitar a venezuelização do Brasil.


Porto Alegre, 26 de setembro de 2015.



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