segunda-feira, 28 de setembro de 2015

APRECIAÇÃO LITERÁRIA - Conversas de Domingo (VM)


CONVERSAS DE DOMINGO
Vianney Mesquita*

Os insetos picam, não por maldade, mas por precisarem viver. A igual ocorre com os críticos – querem o nosso sangue, porém não assumem a nossa dor. (Frederico Guilherme Nietzsche YRocken, 15.10.1844 Weimar, 25.08.1900).

Armazeno na gaveta alguns escritos inéditos, pelo fato de não os haver tencionado publicar, meramente em razão de constituírem juízos restritivos a respeito de obras para mim defeituosas, pois insossas, não verdadeiras, de elocuções toscas, viciosas sob o prisma da Língua, e tantas outras deformidades a fazerem piso do bestunto de escritores, quer ingênuos, despreparados, insolentes literários ou mesmo ferroados pela mosca azul  o que, convenhamos, é bem pior.

Este evento sobrevém, justamente, numa terra onde muitas pessoas não se apropriam, por descaso, preguiça, inadvertência, incapacidade ou algo semelhado, dos aviamentos exigíveis para aportar à ilustração, no entanto, intentam – e logram sucesso – pertencer aos nossos silogeus, hoje delas cheios à repleção, saindo dos sangradores, pelos ladrões fluentes, ao despejarem presumidos artistas.

Não os publico porque, contrariamente às alocuções do Escritor de Genealogia da Moral e de A Gaia Ciência, na epígrafe a estas notas, acho de tomar suas dores, motivo pelo qual prefiro não editar nada a respeito de textos de má qualidade, nem tomar de assalto os bons escritos e assentar-lhes, de estudo, defeitos não contidos, como procedem certos arquitetos a posteriori, com vistas a emular arengas e conduzir vinditas.

Entrementes, com referência a Conversas de Domingo, nada me faz deixá-las como recheio dos escaninhos, porquanto me afiz ao jaez literário da crônica, medida perfilhada por João Soares Neto para compor os escritos desse livro, na qualidade de compositor a mancheias, de dotes escriturais irrefragáveis.

Costumo exprimir – e tenho isto por verdade – a ideia de a leveza desse gênero atrair a maioria dos leitores, principalmente se veiculado nos jornais sabatinos e dominicais. Nos finais da semana, pois – e tal já expressei noutras passagens – os cadernos se conformam, também, a matérias menos prosaicas, transpondo a trivialidade de notícias, reportagens, entrevistas e demais expedientes informacionais a suster o periodismo diurnal de nossas cidades.

A prática da crônica, malgrado exercitada desde datas por demais recuadas, como adjutório dos relatos verazes e nobres, passou, nos Oitocentos, a ser móvel da atenção de escritores de nomeada, os quais ainda a desenvolvem à saciedade, para refletir, com perspicácia e em momentos propícios, a vida da sociedade, concernente às relações sociopolíticas, aos motos culturais citadinos e a muitos outros motivos a ensejarem conceitos.


Consoante o procederam, e.g, no Brasil e em Portugal, esses quatro jotas – Joaquim Maria Machado de Assis, José Martiniano de Alencar, José Maria Eça de Queirós e José Duarte Ramalho Ortigão, muitos renomeados compositores ensaiaram seu gênio inventivo via recursos da crônica, em livros e folhetins. E também nos jornais, na expressão escorreita e no âmbito de procedência etimológica desta palavra – diários.

De passagem, e propositadamente, cumpre dizer, a espécie literária em alusão constitui usança particular, ainda hoje, na prática jornalística do Brasil, sendo este um dos poucos, senão o único, a exercer a crônica, mediante a qual obtiveram visão pública eminentes jornalistas patriais, hoje cultuados, como foram, dentre tantos, Evaristo (Ferreira) da Veiga, Alcindo Guanabara, José (Carlos) do Patrocínio e Carlos (Frederico Werneck de) Lacerda.

Com grande satisfação, revi, nesses dias, o volume Conversas de Domingo, crestomatia muito bem joeirada, da autoria do acadêmico, administrador de empresas, advogado e homem de negócios do Ceará, João Soares Neto, da Academia Cearense de Letras.

Aqui ele exprime suas prendas naturais na grade literária ora sob glosa, obediente ao melhor padrão estético e sujeito às regras do Português, averso, no entanto, daqueles servilismos elocutórios, de natureza estilística, tão comuns aos escrevinhadores ainda visitantes à senda nem sempre muito acessível da Literatura.

Sua prosa é fácil, magnificamente correta, arquitetada com o esmero vocabular e o veio imaginativo do escritor terminado, na qual demonstra, nas entrelinhas, conhecimento lato e erudição temperante, como se estivesse a cuidar para não parecer afoito na manifestação dos seus capitais cultural e social, fato, convenhamos, alentador para o consulente sinistro a exibicionismos estilísticos e jactâncias pessoais.

Conversas de Domingo reúne poucas dezenas de textos curtos, emasculados pelos editores por economia de espaço, de apurado paladar artístico, a serem saboreados de vez única, para regozijo do espírito e levitação anímica, tais se exibem seus alteados teores, sob agradáveis recursos literoestilísticos.

Tem seu continente achegado dos toques de esteta, assinados pelo escritor imortal Geraldo Jesuino da Costa, bem como da Nota a si acrescida por Nilto Maciel, produtor de livros e editor baturiteense, intelectual de visão internacional (transferido para a outra vida há pouco mais de um ano), ao ataviar redundantemente um trabalho já por si nutrido de alcance e merecimento.

Prazer enorme foi reler esta obra e dever é recomendar sua leitura a quem não o fez.




NOTA DO EDITOR: 

A primeira observação a se fazer sobre esse artigo de Vianney Mesquita é o fato de não ter nele o autor aplicado nenhuma vez a palavra “quê”, um exercício feito por ele muitas vezes para censurar o uso vicioso e abusivo dessa partícula gramatical, pelo redator menos zeloso. “Às vezes, o quê tinge o estilo, e há expedientes para deixar de empregá-lo, eludir seu uso a bem da elocução” – segundo a sua própria explicação.

A segunda anotação a respeito do texto refere a existência de intelectuais de pouco fôlego literário na composição das academias de letras do País.

Confirmando essa assertiva para tentar justificá-la, vale o exemplo dos grandes conventos católicos, em que há teólogos eruditos e frades de sabença modesta, essenciais para as tarefas mais pedestres da irmandade. Todos, entretanto, absolutamente reverentes aos sublimes princípios que os unem. Talvez aqueles mais humildes cheguem ao Céu antes dos outros.  

Por último, o registro que o artigo transporta sobre a crônica, esse magnífico gênero literário, difícil de definir, uma derivação dos escritos cotidianos dos escrivães náuticos, que traçavam o dia a dia dos navios, e dos “diários” em que algumas pessoas registravam todos os fatos de sua vida. Sem esse rigor cronológico, os cronistas modernos sabem extrair graça e lirismo de suas vivências comezinhas.
       

2 comentários:

  1. Mais verdadeiro, lúcido e escorreito não poderia ser o comentário do editor. Isto é que é um leitor!
    V.M.

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