ESQUECI O TÍTULO
Assis Martins*
[...] Pouco importa venha a velhice. Que é a velhice? Teus ombros suportam
o mundo, e ele não pesa mais que a mão de uma criança. (Carlos Drummond de Andrade)
Velhice, senilidade, decrepitude e outras palavras
antipáticas são companhia nada prazerosa, apesar da certeza de que nos
alcançarão à revelia da nossa vontade.
O chato é que não há um “grid de largada” para a corrida que encetarão durante a nossa
marcha cronológica, e não marcam hora para as mudanças insidiosas que farão nos
nossos hábitos e relações sociais.
A primeira dessas fases é a senescência (do latim senex = velho), cujas características se
acentuam com o envelhecimento biológico: mudanças hormonais, fisiológicas e
anatômicas, de modo lento e gradual; o corpo perde a capacidade de responder às
infecções e à memória imunológica. Depois, começa a fase mais cruel, a senilidade,
quando a debilidade intelectual e física é mais acentuada, em razão do declínio
de todos os sistemas do corpo (respiratório, endócrino, genital etc.), às vezes
acompanhado de desorganização mental.
A linha tênue que serve de fronteira entre a mocidade
e a velhice não é percebida, e assim, alguns podem alcançá-la mais cedo, outros
não. A evolução bio-psicológica depende de muitos fatores, entre os principais
o modo de vida, a classe social, o ambiente et
reliqua.
O progresso da Medicina e uma qualidade de vida
melhor propiciaram um aumento na expectativa de vida dos brasileiros na ordem
de 75 anos. Juntando-se a isso a queda da mortalidade infantil, podemos afirmar
que os demógrafos que se preparem para desenhar a pirâmide social com a posição
invertida.
Estes prolegômenos
estão ficando muito enfadonhos e, para aliviar, é melhor colocar um tom bem
humorado ao assunto, apesar da sua seriedade. O seguinte diálogo entre dois
adultos, na fronteira entre a senescência e a senilidade, foi ouvido por um
amigo numa parada de ônibus:
– Zé, faz um
tempão que a gente não se encontra. Cê tá morando onde?
– No Conjunto
Ceará.
– Onde, no
Conjunto Ceará?
– Não, no
Conjunto Ceará.
– Ah, pensei
que fosse no Conjunto Ceará...
Não é humor negro (ou como se diz agora,
politicamente incorreto) citar esses diálogos engraçados, muito comuns até em
pessoas de meia-idade. A nossa mente, sobrecarregada de muitos pensamentos, às
vezes nos surpreende com cortes súbitos na ordenação de coisas ou fatos que
estamos narrando.
Comigo, e acho que com muitos,
já aconteceu a seguinte conversa:
– Cara, o Paulo,
que mora lá na rua... (pausa) perguntou
por você.
– O Paulo
vendedor ou o da...
– Não, o Paulo,
irmão daquela loura, a... (como é mesmo o nome dela?)
– Ah! Já sei,
me encontrei com ela quando fui assistir àquele filme do...
Levando em conta que esta curta conversa tem quatro
reticências, e cada uma três pontinhos, e sabendo que milhões de diálogos
semelhantes a este estão ocorrendo agora, dá medo ao pensar que faltarão
pontinhos para futuras reticências. A solução seria, então, utilizar os
pontinhos dos tremas deletados pela Reforma Ortográfica.
NOTA DO EDITOR:
A crônica de Assis Martins trata de
maneira bem-humorada o drama da velhice, que não atinge as pessoas em geral, mas,
ironicamente, apenas aquelas que têm a ventura de sobreviver à juventude.
Importante notar que a Natureza só tem
interesse na sobrevivência dos seres com suficientes higidez e resistência para
superar a sua infância (vencendo a seleção natural para transmitir os melhores
genes), e relega ao descarte natural os indivíduos que superem sua fase
produtiva.
A
civilização subverte essa regra quando preserva os jovens menos capazes
e prolonga a sobrevida dos idosos. Entretanto, pela via caridosa. Na prática,
todos os bens da vida que a sociedade produz e cultua priorizam atender o
universo dos mais jovens. Os esportes, a moda, a poesia, a música, o erotismo, os
novos modelos de automóveis, a moderna arquitetura, tudo isso visa os que ainda estão vivendo as
primeiras estrofes do poema Contraste, de Pe. Antônio Thomaz.
CONTRASTE
Pe.
Antônio Thomaz
Quando
partimos no verdor dos anos
Da
vida pela estrada florescente
As
esperanças vão conosco à frente,
E vão
ficando atrás os desenganos.
Rindo,
cantando, céleres, ufanos,
Vamos
marchando descuidosamente;
Eis
que chega a velhice, de repente,
Desfazendo
ilusões, matando enganos.
Então
nós enxergamos claramente,
Como a
existência é rápida e falaz,
E
vemos que sucede exatamente,
O
contrário dos tempos de rapaz:
Os
desenganos vão conosco à frente,
E as
esperanças vão ficando atrás.
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