OS CHEFS CEARENSES
Wilson Ibiapina*
A minha incompetência
culinária começa no frigir dos ovos. Cozido ou estrelado vem sempre cheio de
casca. No meu tempo de criança, no interior do Ceará, cozinhar era coisa de mulher.
Homem na cozinha é só para atrapalhar, diziam.
Por ironia do destino, o macho
cearense, apesar de todo o patrulhamento paterno, é hoje grande chef. Eu
continuo sem passar um café. Na cozinha me sinto um macaco numa casa de louça,
mas admirando, principalmente os japoneses. O que causa inveja é a habilidade
deles. O japonês vai usando faca, prato, panela, colher e vai lavando na hora.
Não deixa nada sujo. Quanto termina a cozinha está um brilho.
O cearense, principalmente o
mais humilde, do norte do estado, que foge da seca, da fome e da miséria,
procura trabalho nas cidades grandes. Como leva apenas a experiência na
roça, vai ser porteiro de prédio ou lavar pratos em
restaurantes, e até em navios.
Já disseram que o cearense é o
japonês da cozinha. Não cria nada, mas copia tudo que é uma beleza. O jornalista Marbo Giannaccini morou no Japão como correspondente de
jornais e revistas do Brasil. Toda vez que fala da coragem e da audácia dos
cearenses na luta pela sobrevivência, principalmente lá fora, Marbo costuma
contar uma história que ele batiza de “Meu Japonês Inesquecível!”.
“Década de setenta no Japão. Uma reportagem me leva de Tóquio a Kobe,
com uma excelente recomendação do Osvaldo Peralva, correspondente da Folha de
São Paulo, ao Press Club local, que facilitou meu trabalho e, às duas horas da
tarde, já havia enviado minha matéria para São Paulo. Os jornalistas
japoneses, amigos do Peralva, me levaram ao que disseram ser o melhor sushi do
Japão.
Não acreditei, pois em Tóquio estão todos grandes chefes japoneses
incensados pela mídia e pelos clubes gastronômicos, mas o ver para crer e o
dever cumprido me fizeram acompanhá-los.
Ao entrarmos no Sushiya, que é como os japoneses chamam as casas
especializadas em sushi, fiquei meio decepcionado com o ambiente, que parecia
um corredor longo, com um balcão contínuo.
A fome e a curiosidade, porém, falaram mais alto e, depois de duas taças
de saquê, meus novos amigos pediram o famoso sushi.
Servido de modo tradicional, aos pares, tive uma sensação muito estranha
quando o primeiro sushi se desfez na boca, aguçando todas as papilas do paladar
a apreciar o que concordei em denominar o melhor sushi do Japão.
Embora a gastronomia não fosse meu forte, minha experiência, desde a
infância em São Paulo no convívio com nisseis e japoneses, me permitia
identificar uma boa ou má comida nipônica.
Depois de apresentado como jornalista brasileiro, perguntei de chofre em
japonês:
– Como é seu nome?
Foi aí que conheci meu japonês inesquecível!
– Severino, de Ibiapina, lá na Serra da Ibiapaba, no Ceará. Mas pode me
chamar de Severino da Serra Grande.
Saiu um dia do Mucuripe, onde trabalhava carregando navios e foi
navegar pelo mundo lavando pratos, limpando cozinha, fazendo comida...
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