ESTA FELICIDADE NÃO
É PARA PADRE PEDRO
Aluísio Gurgel do Amaral Jr
Em começo de carreira, quando respondia pela comarca de
Brejo Santo, deparei-me com um processo que tematizava autorização para
pesquisa mineral. Confessadamente ignorante na matéria, aproveitei a presença
de dona Maria Brasil (a quem adotei por madrinha e mestra) e perguntei sobre
eventual existência de modelo que me pudesse orientar. Ela olhou o processo e
exclamou: "Ah, Doutor, esta felicidade não é para Padre Pedro, não!".
E saiu.
Levou alguns instantes para a ficha cair, mas caiu.
– Dona Maria –
interrompi-lhe a caminhada rápida no rumo do cartório. Mais que depressa, ela
deu a volta sobre um pé:
– Pois não, Doutor? -- e se dispôs assim mesmo, interrogando.
– Essa expressão aí, da felicidade do padre, significa o
quê?. Um sorriso estampou-se em seu rosto:
– O senhor nem queira saber, Doutor – e pousou os processos na mesa, e puxou uma
cadeira, e sentou, e contou.
Padre Pedro era pároco de Brejo Santo. Velhinho, quase
surdo e bondoso, não encontrando outra alternativa para manter a sopa dos
pobres, passou a vender imagens, castiçais, tabernáculo e tudo o mais que
pudesse ser convertido em moeda corrente.
Ao dar-se conta do fato, a comunidade reunida resolveu
"reconstruir", por assim dizer, a paróquia. A sopa dos pobres de
Padre Pedro mereceu especial atenção e mesmo a frequência ao culto regular
melhorou bastante.
Entusiasmado, o bom velhinho adquiriu alma nova
para o trabalho religioso e as missas dominicais. Quem passasse do outro lado
da Matriz acompanharia fácil, fácil. Não satisfeito, Padre Pedro também
resolveu que era necessário tomar confissões e foi justamente aí que a porca
torceu o rabo. Certa feita, um cidadão confessou:
– Padre Pedro, eu traí o matrimônio... – E Padre
Pedro aos berros:
– O quê, meu filho? Fale mais alto que Padre Pedro
é surdo...
Sem opção, ele repetiu aos gritos:
– Padre Pedro, eu traí o matrimônio!
O velhinho arregalou os olhos e sentenciou:
– Cabra sem vergonha, vá ali no altar pagar um
Padre-Nosso e dez Ave-Marias!.
O desgraçado ainda buscou reconsideração:
– Mas Padre Pedro, a menina bem novinha, veio e
sentou-se no meu colo... Se fosse o senhor, o que faria?
E veio a confirmação da sentença:
– Esta felicidade não é para Padre Pedro não, meu
filho... Vá pagar sua penitência!.
*Aluísio Gurgel do Amaral Jr.
Juiz de Direito, Professor, Músico, Escritor
Titular da Cadeira de nº 14 da ACLJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário