O
ENIGMA DA CAMPANHA
Rui
Martinho Rodrigues*
Uma campanha marcada por ataques pessoais, acusações e
desmentidos pode significar uma repetição do tradicional personalismo político,
como pode ter outras razões. A polarização do eleitorado e o voto útil, tão
presentes no atual certame eleitoral, podem ter múltiplos significados. Quem
vota para evitar o que entende ser uma opção pior não expressa personalismo nem
casuísmo, tampouco está escolhendo um salvador da pátria. Sob este aspecto,
saudemos o voto útil.
Os ataques e acusações de ordem pessoal podem representar
repúdio à roubalheira, ao nepotismo, ao aparelhamento do Estado ou
incompetência administrativa. A ênfase em tais aspectos pode representar a
manifestação de certos princípios, ideias e valores. Seria ingênuo pensar que
não se trata de tática inescrupulosa com que se pretende “desconstruir”
candidaturas (com o perdão do clichê).
Quem assim procede, porém, está reconhecendo a repulsa da sociedade diante daquilo que é
denunciado. A veracidade das denúncias e ataques sempre pode ser discutida.
Valores proclamados podem ser contestados. A hipocrisia certamente espreita. Mas
ao afirmar ou negar ideias e valores as partes rendem homenagem aos princípios,
ao mesmo tempo em que negam o personalismo e o casuísmo.
Os interesses corporativos, a opção por diferentes
políticas fiscais, de crédito, câmbio, salário, como a discussão sobre
preservação ambiental e sustentabilidade, também escapam à ideia de um salvador
da pátria. Até a triste figura do “poste sem luz”, hoje tão presente na
política brasileira, nega a tradição do neossebastianismo laico na política.
A
deplorável venda do voto, que se revela no crescimento subitâneo de
candidaturas eleitoralmente inexpressivas até as vésperas do pleito; no
favoritismo das candidaturas ricas; e que em parte explica a volatilidade das
intenções de voto, confirma a ausência do messianismo personalista.
A publicização da vida privada e das questões de foro
íntimo, como a moral sexual, ganharam espaço. Isso representa uma lamentável
invasão da intimidade pelo Estado. Representa, ainda, um subterfúgio com o qual
se busca definir identidades descaracterizadas pelo descrédito de velhos
chavões. Quem ontem amaldiçoava o capital estrangeiro hoje proclama ser mais
competente para atraí-lo. Estes já não obtêm tanto sucesso explorando a
bandeira do nacionalismo.
O debate sobre a vida privada surge então como a busca de
um substituto para as velhas bandeiras que se fizeram rotas. Significa, apesar
do aspecto burlesco, a prevalência de uma preocupação com valores e ideias, ao
invés da personalidade de um líder ou da promessa messiânica contida em
doutrinas pífias. A hipocrisia, sempre presente, é um tributo que o vício paga
à virtude. Pior é o cinismo, desprezo explícito pelos valores.
A tanatofilia do nosso tempo ameaça com a morte o
estadista, os partidos e as instituições. Leva também ao patíbulo o salvador da
pátria e o messianismo das panaceias camufladas sob elaboradas doutrinas,
independentemente do resultado da pugna eleitoral.
Será a luz do fim do túnel? A fênix renasce das cinzas.
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10
Nenhum comentário:
Postar um comentário