segunda-feira, 20 de outubro de 2014

ARTIGO (RMR)

O ENIGMA DA CAMPANHA
Rui Martinho Rodrigues*

Uma campanha marcada por ataques pessoais, acusações e desmentidos pode significar uma repetição do tradicional personalismo político, como pode ter outras razões. A polarização do eleitorado e o voto útil, tão presentes no atual certame eleitoral, podem ter múltiplos significados. Quem vota para evitar o que entende ser uma opção pior não expressa personalismo nem casuísmo, tampouco está escolhendo um salvador da pátria. Sob este aspecto, saudemos o voto útil.

Os ataques e acusações de ordem pessoal podem representar repúdio à roubalheira, ao nepotismo, ao aparelhamento do Estado ou incompetência administrativa. A ênfase em tais aspectos pode representar a manifestação de certos princípios, ideias e valores. Seria ingênuo pensar que não se trata de tática inescrupulosa com que se pretende “desconstruir” candidaturas (com o perdão do clichê).

Quem assim procede, porém, está reconhecendo  a repulsa da sociedade diante daquilo que é denunciado. A veracidade das denúncias e ataques sempre pode ser discutida. Valores proclamados podem ser contestados. A hipocrisia certamente espreita. Mas ao afirmar ou negar ideias e valores as partes rendem homenagem aos princípios, ao mesmo tempo em que negam o personalismo e o casuísmo.

Os interesses corporativos, a opção por diferentes políticas fiscais, de crédito, câmbio, salário, como a discussão sobre preservação ambiental e sustentabilidade, também escapam à ideia de um salvador da pátria. Até a triste figura do “poste sem luz”, hoje tão presente na política brasileira, nega a tradição do neossebastianismo laico na política. 

A deplorável venda do voto, que se revela no crescimento subitâneo de candidaturas eleitoralmente inexpressivas até as vésperas do pleito; no favoritismo das candidaturas ricas; e que em parte explica a volatilidade das intenções de voto, confirma a ausência do messianismo personalista.

A publicização da vida privada e das questões de foro íntimo, como a moral sexual, ganharam espaço. Isso representa uma lamentável invasão da intimidade pelo Estado. Representa, ainda, um subterfúgio com o qual se busca definir identidades descaracterizadas pelo descrédito de velhos chavões. Quem ontem amaldiçoava o capital estrangeiro hoje proclama ser mais competente para atraí-lo. Estes já não obtêm tanto sucesso explorando a bandeira do nacionalismo.

O debate sobre a vida privada surge então como a busca de um substituto para as velhas bandeiras que se fizeram rotas. Significa, apesar do aspecto burlesco, a prevalência de uma preocupação com valores e ideias, ao invés da personalidade de um líder ou da promessa messiânica contida em doutrinas pífias. A hipocrisia, sempre presente, é um tributo que o vício paga à virtude. Pior é o cinismo, desprezo explícito pelos valores.

 A tanatofilia do nosso tempo ameaça com a morte o estadista, os partidos e as instituições. Leva também ao patíbulo o salvador da pátria e o messianismo das panaceias camufladas sob elaboradas doutrinas, independentemente do resultado da pugna eleitoral.

Será a luz do fim do túnel? A fênix renasce das cinzas.


*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

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