B DE PAIVA DE VOLTA ÀS
ORIGENS
Wilson Ibiapina*
Feito o salmão, que consegue nadar centenas ou milhares de
quilômetros pelos oceanos antes de voltar ao rio onde nasceu, B de Paiva arruma
as malas para voltar para Fortaleza. A despedida dele, em Brasília, está sendo
organizada pelo cineasta Pedro Jorge. Será terça feira, dia 4 de novembro, no
restaurante Madrid.
Dia 5 Bê estará voltando para o Ceará com a atriz
Lourdinha, sua companheira inseparável dos últimos anos. Aos 82 de idade, que
completa no dia 6 de novembro, deixa a marca de sua trajetória profissional no
Rio, Brasília e Ceará, com repercussão nacional.
José Maria Bezerra de Paiva, o que tem de competência tem
de humildade. Nasceu em 1932 em Fortaleza, fruto da união das famílias Oliveira
Paiva e Bezerra de Menezes. O avô dele, João Francisco, mestre de ofício,
pintor e escultor, foi o primeiro fotógrafo do Ceará. Morreu envenenado com produtos
químicos que usava nas revelações. Ele veio de Portugal e teve dois
filhos. Um deles, Oliveira Paiva, só
foi lembrado 80 anos depois de morto. A mãe dele era da família Bezerra de
Menezes que está na História do Ceará.
O pai era jornalista e diretor da Fenix Caixeiral, até o
dia em que teve a brilhante ideia de fazer uma campanha pela “semana
inglesa”. Até então o trabalho era direto, que nem cantiga de grilo. Parar aos
sábados era uma audácia inadmissível. Foi demitido por ser tão criativo.
Desde menino Zé Maria era apaixonado por teatro e cinema.
Seu vizinho, Tarcísio Tavares, também louco por cinema, quando ficava doente
pagava o ingresso só para o Zé Maria lhe contar o filme, o que era feito
teatralmente, com muita gesticulação e ruídos onomatopaicos. Foi vendo
filmes dirigidos por Cecil B de Mille que Tarcísio
Tavares, o saudoso TT, teve a ideia de batizar o José Maria Bezerra de
Paiva de apenas “B de Paiva”. Pegou.
Ainda menino, B de Paiva sofreu um acidente que deixou
sequelas na perna direita, mas não lhe afastou das atividades artísticas.
Em 1950 estreou como autor e ator no Teatro Experimental de Arte, fundado
por ele e os amigos Hugo Bianchi, Marcos
Miranda e Haroldo Serra.
O problema da perna lhe perturbava e teve que pedir ajuda
ao jornalista Jáder de Carvalho, que fez campanha para que ele fosse ao Rio
fazer um tratamento. Em 1954, aos 22 anos, foi apresentado ao embaixador Phascoal Carlos Magno. O protetor das
artes e dos artistas arranjou para ele dormir no camarim do Teatro do
Estudante, na Une. Foi o primeiro contato dele com o teatro no Rio de Janeiro.
Trabalhou em mais de 500 produções para cinema, rádio, TV
e, principalmente, teatro. Depois do golpe de 64 reabriu e dirigiu o teatro da
Une, que havia sido destruído num incêndio. No Rio de Janeiro coordenou
instituições públicas culturais e criou cursos de teatro, como o primeiro curso
superior de Artes Cênicas na UniRio. Também trabalhou na Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foi reitor.
Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará,
foi o criador da primeira secretaria de cultura do estado. O governador
Virgílio Távora o surpreendeu dando o cargo de secretário a Raimundo Girão.
Em Brasília, onde chegou a ser coordenador da Funarte e um
dos fundadores do Ministério da Cultura, foi professor da UnB e fundador da
Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, vinculada à Fundação Brasileira de
Teatro, da qual também foi presidente em 1995. Em 1999, coordenou os assuntos
culturais e artísticos da Pró-Reitoria de Extensão da UFC e a diretoria do
Colégio de Direção do Instituto Dragão do Mar, além de estar ligado à Fundação
Amigos do Theatro José de Alencar.
Como dramaturgo, escreveu, entre outras, as seguintes
peças: "Complexo", "Lágrimas de um Palhaço", "Rosa
Morta", "Vigília da Noite Eterna". Em parceria com o
pernambucano Hermilo Borba Filho,
publicou o livro "Cartinhas de Teatro".
Toda a vida profissional dele está documentada em livros,
cartazes, filmes, um acervo valioso que ele guarda na fazenda do conterrâneo Geová Sobreira, numa cidade satélite
aqui do Distrito Federal. O sonho de B de Paiva é conseguir em Fortaleza um
local, num museu ou biblioteca, para guardar toda a história de sua trajetória
profissional, um exemplo de tenacidade e talento para as novas gerações. É um
dos nossos maiores artistas que não pode ser esquecido.
*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ
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