sexta-feira, 31 de outubro de 2014

ARTIGO (RV)



DIREITOS PATRIMONIAIS DO GAMETA
Reginaldo Vasconcelos*


O compositor Roberto Carlos intrigou-se publicamente com o Pelé, quando acolheu um filho natural que apareceu, e na mesma época o ex-jogador de futebol se recusou a reconhecer a paternidade de uma moça que nascera de uma rápida aventura que ele tivera no passado, a qual depois morreu de câncer, sem contar com as atenções afetivas de seu pai.

O assunto é sensível e delicado. Pouco antes de morrer o então vice-presidente da República, José Alencar, fincou pé contra uma senhora que surgiu do nada e se dizia filha sua, e que ele, ainda mesmo admitindo a eventualidade de que ela pudesse ter sido gerada de uma de suas relações carnais de solteiro, não a queria como herdeira e insurgiu-se na Justiça, recusando-se inclusive ao exame de DNA.

Agora o tema é abordado em novela da Globo, quando um milionário se inclina e assumir a paternidade de uma sobrinha pobre, com cuja mãe teve um affair em tempos idos, e então ele enfrenta a oposição da mulher e dos filhos, seus sucessores patrimoniais. Neste caso, como se espera, a boa arte imita a vida. 

Pessoalmente defendo que assiste razão ao Roberto Carlos, que até então só tinha um filho, e que simpatizou com o descendente adventício.  Também admito que pode ter tido seus motivos o Pelé para rejeitar a filha, já que inclusive reconheceu depois uma outra que já lhe surgiu na juventude.

Do mesmo modo, abono a resistência do rico idoso José Alencar, e nesse ponto formulo uma tese jurídica própria, para entender que a lei civil atual, nesse particular, é equivocada. Ora, qualquer um pode ser adotado como filho e adquirir todos os direitos hereditários, concorrendo de forma igual com os demais herdeiros do adotante – sem que haja qualquer consanguinidade entre eles.

Isso significa que a filiação é condição muito mais afetiva que genética, de modo que a mera condição acidental de descendente não deveria credenciar ninguém a de repente adquirir direitos patrimoniais idênticos aos dos que foram gerados de forma intencional e criados dentro de uma relação familiar formal e duradoura – e o transcurso pacífico do tempo em determinada condição, no espectro jurídico, como a de únicos filhos de alguém, sempre leva à prescrição aquisitiva de direitos.

Creio que o legislador moderno deveria fazer temperamentos à lei de sucessões, à luz do que no passado já era previsto nas Ordenações Filipinas, o primeiro código jurídico adotado no Brasil. Seria justo e suficiente que filhos insuspeitados saídos já adultos do passado de  homens de posses fossem credores de alimentos, em sendo o caso, e do que mais lhe fosse preciso para manter a dignidade – facultado ao pai biológico adotá-lo regularmente como filho legítimo, ou lhe fazer objeto de disposições testamentárias, se por afeto e liberalidade ele o quisesse.    

*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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