segunda-feira, 13 de outubro de 2014

ARTIGO (RMR)

A MORTE HOJE
Rui Martinho Rodrigues*


Os nossos dias revelam uma tendência para a tanatofilia. A morte segue a pós-modernidade. Na política a mortandade é arrasadora. Morrem estadista, sujeito, identidade, verdade, ética, razão e intelectuais. A morte é sedutora e poderosa. E anuncia o caos.

O relativismo cognitivo domina. É lugar comum dizer que não existe verdade, quando muito limitando a negativa com o termo “absoluta”. Contorna-se assim, com irresponsabilidade ou má-fé, o problema da validação do discurso. Morre a razão. Entroniza-se a demagogia.

As verdades existem em quatro acepções: objetivamente, quando o discurso corresponde aos fatos, opondo-se ao erro, a exemplo da declaração sobre uma pedra ser um diamante. Tal declaração será verdade ou erro. A inexistência de verdades permite ao político dizer que as contas macroeconômicas estão bem, quando elas estejam de mal a pior.

Verdade moral significa correspondência entre o que se diz e o que se pensa. Opõe-se à mentira. Não há muito o que relativizar. A morte da verdade, neste caso, dá lugar, na política, à contabilidade criativa, entre outras mentiras.

A verdade pode ser ainda lógica, na forma clássica da proposição matemática: se “A” é maior do que “B” e este é maior do que “C”, então “A” também é maior do que “C”. Não cabe relativismo. Fazer um ajuste econômico é ruim. Deixar de fazê-lo, porém, é pior. Satanizar o sacrifício imposto por um ajuste é atropelar a razão. Os males do desajuste econômico são mais graves do que as dores do parto da reorganização da economia.

A verdade pode, ainda, referir-se à ontologia do ser. Aí temos o campo por excelência do relativismo. A morte da razão é serva dos tiranos. Os que propalam a inexistência da verdade referem-se com desenvoltura a “verdadeira” ou “falsa” consciência, proclamando uma suposta verdade ontológica. É o caminho da instituição de ortodoxias baseadas na “verdadeira consciência”, ao mesmo tempo negando a existência da verdade para ocultar os erros do que é proposto. É o fundamentalismo político, perseguidor, expondo pessoas à execração pública, com campo de concentração e fuzilamento.

O relativismo ético, arrimado no finalismo da ação social e no antropocentrismo dos sofistas, abre a caixa de Pandora. Na prática é a difamação, a dilapidação do patrimônio público, a semeadura da discórdia e do conflito social em nome de um “mundo melhor”, é a campanha política marcada pela substituição de programas pela “desconstrução” de pessoas, valendo-se da mentira.

A morte dos estadistas deixou um espólio político herdado pelos marqueteiros. É a opção preferencial pela demagogia.

Os relativismos ético e cognitivo, em cumplicidade com a ética teleológica, assassinaram os intelectuais. Em nome do engajamento por um “mundo melhor” os intelectuais aceitaram a mentira, a difamação e a satanização de pessoas e ideias. Bom para os áulicos do poder, caçadores de benesses oficiais e oficiosas.

A idolatria do coletivo matou o indivíduo. Tirou-lhe a identidade. Diluiu tudo em infraestruturas e superestruturas sociais, econômicas, culturais e políticas. A morte do sujeito afastou responsabilidades e legitimou a corrupção e a prática do mal.

A impostura intelectual, inclusive de autores consagrados internacionalmente, invocando em vão a Física Quântica e a doutrina relativista, a exemplo do homem que sabia javanês, do célebre conto de Lima Barreto, pretende validar sofismas, atribuindo à Física a consagração do absurdo. Quanto maior a impostura, maior a consagração.

É o triunfo da morte. Qualquer semelhança não é coincidência.

*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

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