A
MORTE HOJE
Rui
Martinho Rodrigues*
Os nossos dias revelam uma tendência para a tanatofilia. A morte segue a
pós-modernidade. Na política a mortandade é arrasadora. Morrem estadista,
sujeito, identidade, verdade, ética, razão e intelectuais. A morte é sedutora e
poderosa. E anuncia o caos.
O relativismo cognitivo domina. É lugar comum dizer que não
existe verdade, quando muito limitando a negativa com o termo “absoluta”.
Contorna-se assim, com irresponsabilidade ou má-fé, o problema da validação do
discurso. Morre a razão. Entroniza-se a demagogia.
As verdades existem em quatro acepções: objetivamente, quando
o discurso corresponde aos fatos, opondo-se ao erro, a exemplo da declaração
sobre uma pedra ser um diamante. Tal declaração será verdade ou erro. A
inexistência de verdades permite ao político dizer que as contas
macroeconômicas estão bem, quando elas estejam de mal a pior.
Verdade moral significa correspondência entre o que se diz
e o que se pensa. Opõe-se à mentira. Não há muito o que relativizar. A morte da
verdade, neste caso, dá lugar, na política, à contabilidade criativa, entre
outras mentiras.
A verdade pode ser ainda lógica, na forma clássica da proposição
matemática: se “A” é maior do que “B” e este é maior do que “C”, então “A”
também é maior do que “C”. Não cabe relativismo. Fazer um ajuste econômico é
ruim. Deixar de fazê-lo, porém, é pior. Satanizar o sacrifício imposto por um
ajuste é atropelar a razão. Os males do desajuste econômico são mais graves do
que as dores do parto da reorganização da economia.
A verdade pode, ainda, referir-se à ontologia do ser. Aí
temos o campo por excelência do relativismo. A morte da razão é serva dos
tiranos. Os que propalam a inexistência da verdade referem-se com desenvoltura
a “verdadeira” ou “falsa” consciência, proclamando uma suposta verdade
ontológica. É o caminho da instituição de ortodoxias baseadas na “verdadeira
consciência”, ao mesmo tempo negando a existência da verdade para ocultar os
erros do que é proposto. É o fundamentalismo político, perseguidor, expondo
pessoas à execração pública, com campo de concentração e fuzilamento.
O relativismo ético, arrimado no finalismo da ação social e
no antropocentrismo dos sofistas, abre a caixa de Pandora. Na prática é a
difamação, a dilapidação do patrimônio público, a semeadura da discórdia e do
conflito social em nome de um “mundo melhor”, é a campanha política marcada
pela substituição de programas pela “desconstrução” de pessoas, valendo-se da
mentira.
A morte dos estadistas deixou um espólio político herdado
pelos marqueteiros. É a opção preferencial pela demagogia.
Os relativismos ético e cognitivo, em cumplicidade com a
ética teleológica, assassinaram os intelectuais. Em nome do engajamento por um
“mundo melhor” os intelectuais aceitaram a mentira, a difamação e a satanização
de pessoas e ideias. Bom para os áulicos do poder, caçadores de benesses
oficiais e oficiosas.
A idolatria do coletivo matou o indivíduo. Tirou-lhe a
identidade. Diluiu tudo em infraestruturas e superestruturas sociais,
econômicas, culturais e políticas. A morte do sujeito afastou responsabilidades
e legitimou a corrupção e a prática do mal.
A impostura intelectual, inclusive de autores consagrados
internacionalmente, invocando em vão a Física Quântica e a doutrina relativista, a
exemplo do homem que sabia javanês, do célebre conto de Lima Barreto, pretende validar sofismas, atribuindo à Física
a consagração do absurdo. Quanto maior a impostura, maior a consagração.
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