segunda-feira, 30 de novembro de 2015

CRÔNICA - No Cadafalso, a Mesa Posta (AM)

NO CADAFALSO,
A MESA POSTA
Assis Martins*


Quem se priva da vida encontra em si próprio o algoz, e o mata. (Alexandre Dumas, filho).
   
O TAF (Teatro de Amadores de Fortaleza) sempre estava em atividade o ano todo. Não faltava palco para exibições: Círculo Operário dos Navegantes, Patronato de Antônio Bezerra, Teatro São Vicente em Parangaba, São João do Tauape, Messejana, e, às vezes, em cidades vizinhas com a devida anuência do padre local.

Os integrantes, quase todos veteranos, mantinham grande fidelidade, agarrando os seus papéis ano após ano, principalmente na Paixão de Cristo, peça em que todos faziam questão de atuar. O bonito nessa época era o entusiasmo que dedicavam aos espetáculos.

Mesmo com sacrifício das suas atividades diárias, ninguém negava a colaboração em montar cenários e gambiarras, ajeitar a iluminação sempre em cima da hora, no maior corre-corre.

E foi numa dessas correrias que o Adauto, Judas bem cotado no conceito teatral dos subúrbios, cometeu um pequeno deslize de tragicômicas consequências. Aconteceu na encenação do Mártir do Gólgota, no Teatro São Vicente, com lotação mais do que esgotada. Foi uma arrumação geral a manhã toda, pinta daqui, puxa um fio dali e, na hora de começar o espetáculo, os bastidores do pequeno palco eram uma confusão danada.

Numa pequena mesa, encostada na lateral, jaziam os restos de um frango, porções de arroz e verduras repousando entre alguns pratos. Pois foi nessa dita mesa que ficou enroscada a ponta da corda com que o Judas Adauto iria se enforcar.

Vamos ao passo a passo: ele nessa noite estava inspirado, e, entre efeitos de luz, relâmpagos e um som ensurdecedor, quando disse a frase final – ...desce do báratro profundo, e vem buscar minha alma, ó deus do inferno! – dependurando-se na forca, a corda arrastou para o meio do palco alguns pratos e colheres.

O inusitado da cena assustou o público, mas ninguém riu em respeito à seriedade do sacro drama.

Apenas se ouviu um comentário isolado: 

  Esse cara é doido, vai se suicidar logo depois do almoço, não tem medo de uma congestão!...

(Ilustração de Audifax Rios)


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