quarta-feira, 4 de novembro de 2015

APRECIAÇÃO LITEROCIENTÍFICA - Optica de Argos (VM)


ÓPTICA DE ARGOS E
ÓTICA DOS SÁTRAPAS
(A Vigilância de Argos)*
Vianney Mesquita**

Os olhos, como as sentinelas, ocupam o lugar mais elevado. (Marco Túlio CÍCERO).

Como fora sátrapa – se possível ser não somente pérsico, mas também grego – Argos Panoptes deita sentido no conhecimento, aplicando a ideia da extensão macluhaniana dos meios de comunicação a sua centena de olhos, ao proceder à estreita ligação da unidade mitológica com a  identidade real.

É possível, decerto, combinar esta alegoria de procedência helênica com a realidade persa antiga da figura satrápica, a qual  se dizia – representava “os olhos e os ouvidos do rei”.

Eis que, além da imaginária visão multíplice de Argos, depois transferida por Mercúrio para as penas do pavão, também a audição dos sátrapas – longe de serem aqui alcaguetes (do árabe aI-quawwâd) da soberana ciência – repara as sistematizações da indústria humana, concorrendo, ambas, para a evolução dos feitos da Humanidade e sua explicação verossímil, a constituírem vasto complexo de doutrina, incessantemente reciclado e enriquecido.

“Matos têm olhos; paredes têm ouvidos”. O ditado constitui anexim antigo, parecendo derivar do que se falava dos sátrapas, autoridades menores de potentados da Pérsia, por intermédio dos quais esses monarcas sabiam de tudo o quanto sucedia no Reino, porquanto eles os deixavam em dia com as ocorrências em seus territórios – as satrapias – componentes do Império.

Esta vigia de olhos e ouvidos, em combinação do mito heleno com a estória meda e persa, é que, em atalaia contínua, anatematiza as reflexões menores e inconsequentes, ao mesmo passo em que regula os exageros e arrebatamentos extremos daqueles que demandam, em voos pretensamente mais elevados, o estabelecimento da verdade provisória – nunca absoluta – dos conteúdos científicos.

Visão de Argos e oitiva dos sátrapas constituem a símile dos copiosos enfoques do saber sistemático, os quais se aproveitam repetidamente das representações da communis opinio, não falsificáveis, para explicar um sistema e dele fazer emprego prático.

Da mesma forma como sucede ao conhecimento pacificado pela Ciência, a igual sobrevém com o saber filosófico, que os olhos e ouvidos cometem aos produtores de reflexões, muita vez estabelecendo liames para orientar exercícios da vida normal, consoante é o caso da Filosofia com as ações de profissionais da saúde, no caso deste livro, particularizando as práticas da arte-ciência da Enfermagem.

Argos Panoptes e governadores de satrapias – com sua lente centicular, multiplicadora ao extremo – e aguçadas oitivas, haverão de tocar, noutras ocasiões e sob as destras dos organizadores deste A Vigilância de Argos, a imensa variedade de compreensões filosóficas ainda destituídas de emprego ordinário em diversos terrenos da Ciência e da Vida, como sucede com a Enfermagem, dignitária, hoje, do máximo respeito como ramo científico e instrumento do cuidado holístico, com cerne da pessoa humana.


*Guarnições escritas por Vianney Mesquita, ora em texto reproduzido com modificações, para A Vigilância de Argos – Filosofia, Ações de Enfermagem e Cuidado Humano. Coletânea de textos preparados pelos alunos durante a Disciplina Filosofia da Ciência, ministrada pelos professores doutores Anchieta Barreto e Rui Verlaine Oliveira Moreira, no Programa de Mestrado de Enfermagem da UFC. Fortaleza: Casa de José de Alencar da Universidade Federal do Ceará, 2002.


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