ÓPTICA DE ARGOS E
ÓTICA DOS SÁTRAPAS
(A Vigilância de
Argos)*
Vianney Mesquita**
Os olhos, como
as sentinelas, ocupam o lugar mais elevado. (Marco
Túlio CÍCERO).
Como fora sátrapa – se possível ser
não somente pérsico, mas também grego – Argos Panoptes deita sentido no
conhecimento, aplicando a ideia da extensão macluhaniana dos meios de comunicação
a sua centena de olhos, ao proceder à estreita ligação da unidade mitológica
com a identidade real.
É possível, decerto, combinar esta
alegoria de procedência helênica com a realidade persa antiga da figura
satrápica, a qual – se dizia – representava “os olhos e os ouvidos do rei”.
Eis que, além da imaginária visão
multíplice de Argos, depois transferida por Mercúrio para as penas do pavão,
também a audição dos sátrapas – longe de serem aqui alcaguetes (do árabe aI-quawwâd)
da soberana ciência – repara as sistematizações da indústria humana,
concorrendo, ambas, para a evolução dos feitos da Humanidade e sua explicação verossímil,
a constituírem vasto complexo de doutrina, incessantemente reciclado e
enriquecido.
“Matos têm olhos; paredes têm ouvidos”. O ditado constitui anexim antigo, parecendo derivar do
que se falava dos sátrapas, autoridades menores de potentados da Pérsia, por
intermédio dos quais esses monarcas sabiam de tudo o quanto sucedia no Reino,
porquanto eles os deixavam em dia com as ocorrências em seus territórios – as
satrapias – componentes do Império.
Esta vigia de olhos e ouvidos, em
combinação do mito heleno com a estória meda e persa, é que, em atalaia
contínua, anatematiza as reflexões menores e inconsequentes, ao mesmo passo em
que regula os exageros e arrebatamentos extremos daqueles que demandam, em voos
pretensamente mais elevados, o estabelecimento da verdade provisória – nunca
absoluta – dos conteúdos científicos.
Visão de Argos e oitiva dos sátrapas
constituem a símile dos copiosos enfoques do saber sistemático, os quais se
aproveitam repetidamente das representações da communis opinio, não falsificáveis, para explicar um sistema e dele
fazer emprego prático.
Da mesma forma como sucede ao
conhecimento pacificado pela Ciência, a igual sobrevém com o saber filosófico,
que os olhos e ouvidos cometem aos produtores de reflexões, muita vez
estabelecendo liames para orientar exercícios da vida normal, consoante é o
caso da Filosofia com as ações de profissionais da saúde, no caso deste livro,
particularizando as práticas da arte-ciência da Enfermagem.
Argos Panoptes e governadores de
satrapias – com sua lente centicular, multiplicadora ao extremo – e aguçadas
oitivas, haverão de tocar, noutras ocasiões e sob as destras dos organizadores
deste A Vigilância de Argos, a imensa
variedade de compreensões filosóficas ainda destituídas de emprego ordinário em
diversos terrenos da Ciência e da Vida, como sucede com a Enfermagem,
dignitária, hoje, do máximo respeito como ramo científico e instrumento do
cuidado holístico, com cerne da pessoa humana.
*Guarnições escritas por Vianney
Mesquita, ora em texto reproduzido com modificações, para A Vigilância de Argos – Filosofia, Ações de Enfermagem e Cuidado
Humano. Coletânea de textos preparados pelos alunos
durante a Disciplina Filosofia da Ciência, ministrada pelos professores
doutores Anchieta Barreto e Rui Verlaine Oliveira Moreira, no Programa de
Mestrado de Enfermagem da UFC. Fortaleza: Casa de José de Alencar da
Universidade Federal do Ceará, 2002.
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