terça-feira, 3 de novembro de 2015

ARTIGO - Teocracia Camuflada (RMR)

TEOCRACIA CAMUFLADA
Rui Martinho Rodrigues*


O Estado laico foi criado para evitar conflitos religiosos. Seria neutro. Obrigaria a prática da tolerância, da coexistência pacífica. Asseguraria a liberdade de consciência, desde que esta não atingisse a alteridade.

Juízos de valor seriam deixados ao alvedrio dos sujeitos capazes. Nascia a liberdade negocial. A lei só proibiria ou obrigaria aquilo que não ferisse a consciência livre dos cidadãos, que foram desobrigados do serviço militar por motivos de consciência.

A paz social e o reconhecimento do não saber, no campo valorativo, nivelando o doutos ao apedeuta inspiraram o laicismo. Resolve-se pelo voto aquilo que não se sabe nem pode saber ao certo, por não se tratar de juízo de realidade, indiferenciando os cidadãos. Um homem, um voto.

A Revolução Francesa, incompreensivelmente havida como liberal, inverteu a lógica da Revolução de Guilherme de Orange, que, seguindo o liberalismo inglês, estabeleceu o controle do governo pelos cidadãos. Os Franceses criaram, com a sua revolução sanguinária, a lógica de um governo forte para “corrigir os erros da sociedade”, pretextando remover resíduos do feudalismo.

Não se tratava de implantar um governo consentido pelos cidadãos, mas que se presumia “esclarecido”, significando isso uma superioridade intelectual e moral, capaz de tratar juízos de valor como se fossem juízos de realidade, valores como problemas científicos. 

Reinstalava-se uma crença religiosa em opções valorativas, manifesta no esforço de revolucionar a cultura, mudando a cabeça do povo. Realizaram campanhas de “esclarecimento” para implantar uma “consciência” supostamente verdadeira. O cidadão é considerado incapaz e o Estado seu curador. É o totalitarismo.

Presunção de superioridade moral promoveu intolerância, arrogância, pseudo-virtude desmascarada no mar de sangue de seiscentas mil cabeças degoladas na guilhotina. Era um Estado confessional, dirigido por uma religião civil “politicamente correta”, camuflada sob a pele do laicismo.

Estamos revivendo o dogmatismo e a “fúria santa” das religiões políticas. O Estado confessional destas religiões faz provas de concursos públicos, como o ENEM, exigindo respostas em conformidade com valores de uma consciência oficial; move perseguições em nome da tolerância, constrange pessoas ao silêncio e à submissão aos valores dos “novos gestores da moral”.

Conceitos dos valores de grandes parcelas da população foram renomeados como “preconceito”, embora sejam conceitos formulados por quem conhece o fato valorado. Na ausência de escrúpulos, a ética finalista alega um determinismo genético grosseiramente reducionista, quando se trate de orientação sexual, embora argumente com o mais extremado reducionismo culturalista quando se trate de dimorfismo de sexo/gênero.


A imposição de valores viola a liberdade, adota uma consciência oficial, abolindo o Estado laico, sacralizando valores alternativos, semelhando a axiologia nietzchseana, é grave ameaça à paz social e à liberdade. É a herança do dogmatismo jesuítico, continuado nas tradições pseudo-laicas. Invoca um relativismo de conveniência, sem deixar de ser dogmática. Decreta a incapacidade dos cidadãos (falsa consciência) e arroga ao papel de curador. É o totaliarismo.


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