DESENTULHEI OS OUVIDOS
Vianney Mesquita*
Ouvi, sábios,
as minhas palavras; eruditos, escutai-me, porque o ouvido julga as palavras,
assim como o paladar distingue os manjares pelo gosto. (BÍBLIA, Jó, 34-2,3).
A despeito de haver sido vaticinado
seu fim, quando do surgimento e das primeiras seduções da televisão no Brasil
em 1950, com a TV Tupi de São Paulo, o rádio prossegue como o meio de
propagação coletiva preferido pelos distintos públicos, considerados seus
variados estratos.
Resulta de conhecimento do leitor mais
bem informado a noção de que, antes das grandes fulgurações dos mass media que lhe sobrevieram, a
radiofusão imperava absoluta como medium “quente”, de acordo com a concepção de
Marshall McLuhan, ao exigir dos seus aficionados a interação auditiva com os
outros quatro sentidos, numa movimentação anímica e corporal de tal intensão,
ao ponto de conduzir o ouvinte ao zênite da vibração – o que já não sucede com
a audiência da TV, considerada pelo mencionado pesquisador canadiano como veículo
de multiplicação massiva com temperatura “fria”.
Vêm-me à retentiva, entre outras
edições de programas, na minha puerícia, as radionovelas, como, por exemplo, nas
figuras de Moleque Saci, Aninha e Jerônimo, protagonistas da estória muito conhecida
e apreciada, no tempo – Jerônimo, o herói
do sertão, da autoria de Moysés Weltman (1932-1985), transmitida, em
horários diferentes, pelas Rádios Nacional, do Rio de Janeiro, Jornal do
Comércio, do Recife, e PRE-9, daqui.
Fantasiava, então, o Moleque Sacy pequenininho,
almoçando fragrante e gostosa carne assada. Via no Jerônimo um homem alto e de
cabeleira embebida de Glostora e
percebia a Aninha – moça linda, esbelta e alta, “cortando perfume francês”,
conforme dizia o meu conterrâneo (Palmácia-CE) José Fernandes Sampaio; imaginava-me
a cavalo, montaria que bralhava maciamente pelas estradas e veredas dos sertões
– tudo isto numa relação simbiôntica imaginária e, ao mesmo tempo, de
ocorrência autêntica, dos cinco sentidos, bem ao modo da taxinomia feita pelo
canadense autor de Os Meios de
Comunicação como Extensões do Homem, para classificar o rádio como medium “quente”.
O Programa, de qualidade bem acima da
média dos compostos e realizados no Estado, é produzido pela Professora Maria
Lívia Marchon e tem no seu ativo um grupo de psicanalistas, psicólogos e
profissionais de esgalhos científicos afins, de máxima qualificação
universitária (muitos dos quais militando na Academia em programas de elevados
estudos stricto sensu) e experiência
clínica diuturna.
O escopo de Escutar e Pensar é fazer um liame da Psicanálise com outros
saberes, ao debater assuntos corriqueiros, porém sob o prisma dos lineamentos
científicos, no entanto, com linguagem bem traduzida, a fim de acertar o maior
número possível de admiradores, os quais também participam do Programa por via
telefônica, há quase dez anos.
Nesta sexta-feira, 06 de novembro de
2015, experimentei alçadíssimo grau de contentamento, ao ouvir uma das mais
distintas pessoas que já tive o lance de conhecer – para mim uma dádiva de Deus
– o médico, psiquiatra e psicoterapeuta psicanalítico teresinense Valton de
Miranda Leitão, cujos olhos divisam meridianamente a verdade, ao lograr com
clarividência cindir o útil do ocioso, separar da guerra velada a concórdia e, enfim
– para me não alongar nos pares de opostos diametrais – divisar o acordo em
relação ao combate, qual o cego do meu soneto oximóron Insânia Lúcida : “Na expungida visão de quem jaz vivo,/Cego
visório o meu exício ensaio...
Na mencionada audição do Escutar e Pensar, também a Professora
Lívia Marchon, cuja fala alvitra a paz e a opinião sugere a bondade,
ultrapassou a excelência de suas posições, nos apartes consentâneos para
concertar juízos conceituosos, em adição ou remate às lições desse Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do
Ceará – Homem e Instituição se merecem – cuja fecundidade reflexiva conquista o
coração mais crestado pelo desdém, mercê, principalmente, dos aprestos
intelectuais amanhados no curso de seus estudos acadêmicos, não lindados
somente à Medicina, ou na contingência da autodidaxia de quem não suporta ficar
longe dos livros e divorciado do pensamento contumaz, na melhor acepção que
esse vocábulo possa suportar.
No dia, a piéce de résistance descansou no tema intolerância,
acerca da qual o Dr. Valton de Miranda Leitão, assestando conhecimentos
interdisciplinares e mencionando autores a mancheias, discorreu a respeito do assunto,
com faustoso detalhamento e raciocínio por via de premissas silogísticas, como
se faz ao se operar a Lógica Formal – matéria por ele bem conhecida. Exemplificou
com o emprego da maldade humana, em relação a violência e perseguição àqueles
cujas posições lícitas divergem daquelas
de assunção dos agentes coléricos e persecutórios, no concernente a Política,
confissões religiosas, torcidas de futebol e outros esportes, raça, cor, sexo e
tantos outros aspectos em que não há unanimidade de pensamento, aduzindo o fato
de que essa condenável atitude é corrente no mundo inteiro, não existindo,
pois, somente a débito do Brasil, como
alguém poderia supor.
Ganhei a tarde, mais uma vez,
agradecido à Divina Providência pela comparência de personalidades de tanta
claridade aos veículos de comunicação massiva para deitar cátedra em temáticas
ordinárias e de suma preeminência, todavia, nem sempre cuidadas com o
necessário desvelo por quem armazena a capacidade de fazê-lo com decisão,
acerto e determinação, consoante procedem os bem aquinhoados intelectuais e
cientistas que fazem piso do programa Escutar
e Pensar, da nossa Rádio Universitária FM, componentes e convidados do
GPFOR, partícipes do “alto clero” da inteligência cearense.
Meus emboras ao Doutor Valton, pelo
estalão de homem e cidadão que ostenta ser, com vigor, lógica, inteligência,
preparo e, sobretudo, bondade, ao se posicionar com serenidade nos seus livros,
artigos, palestras e assemelhados contra os excessos e o desrespeito às compreensões
das pessoas acerca de quaisquer assuntos a que têm direito de acessar e
empreender juízos particulares, quase nunca acordes e integrais, em razão da
diversidade raciocinativa inerente à pessoa humana.
Ao ouvir o Escutar e Pensar desta sexta-feira (06.11.2015), desentulhei, pois,
os ouvidos da zoada do trânsito, da oitiva de tanto alcance financeiro e da
azáfama discordante que opera a massa amorfa e desinteligente, a trazer sobrosso a quem anela a
tranquilidade pela expressão do seu pensamento e peleja pela convivência sossegada.
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