domingo, 8 de novembro de 2015

CRÔNICA - Desentulhei os Ouvidos (VM)


DESENTULHEI OS OUVIDOS
Vianney Mesquita*


Ouvi, sábios, as minhas palavras; eruditos, escutai-me, porque o ouvido julga as palavras, assim como o paladar distingue os manjares pelo gosto. (BÍBLIA, Jó, 34-2,3).


A despeito de haver sido vaticinado seu fim, quando do surgimento e das primeiras seduções da televisão no Brasil em 1950, com a TV Tupi de São Paulo, o rádio prossegue como o meio de propagação coletiva preferido pelos distintos públicos, considerados seus variados estratos.

Resulta de conhecimento do leitor mais bem informado a noção de que, antes das grandes fulgurações dos mass media que lhe sobrevieram, a radiofusão imperava absoluta como medium  “quente”, de acordo com a concepção de Marshall McLuhan, ao exigir dos seus aficionados a interação auditiva com os outros quatro sentidos, numa movimentação anímica e corporal de tal intensão, ao ponto de conduzir o ouvinte ao zênite da vibração – o que já não sucede com a audiência da TV, considerada pelo mencionado pesquisador canadiano como veículo de multiplicação massiva com temperatura “fria”.
  

Este fato, então, dimanava das estreitas e naturais correlações do aparelho auditivo – em virtude da carência dos demais – com as manifestações reflexivas táteis, olfativas, visuais e gustativas, imaginadas pelo que a audição suscitava.

Vêm-me à retentiva, entre outras edições de programas, na minha puerícia, as radionovelas, como, por exemplo, nas figuras de Moleque Saci, Aninha e Jerônimo, protagonistas da estória muito conhecida e apreciada, no tempo – Jerônimo, o herói do sertão, da autoria de Moysés Weltman (1932-1985), transmitida, em horários diferentes, pelas Rádios Nacional, do Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, do Recife, e PRE-9, daqui.

Fantasiava, então, o Moleque Sacy pequenininho, almoçando fragrante e gostosa carne assada. Via no Jerônimo um homem alto e de cabeleira embebida de Glostora e percebia a Aninha – moça linda, esbelta e alta, “cortando perfume francês”, conforme dizia o meu conterrâneo (Palmácia-CE) José Fernandes Sampaio; imaginava-me a cavalo, montaria que bralhava maciamente pelas estradas e veredas dos sertões – tudo isto numa relação simbiôntica imaginária e, ao mesmo tempo, de ocorrência autêntica, dos cinco sentidos, bem ao modo da taxinomia feita pelo canadense autor de Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem, para classificar o rádio como medium  “quente”.

Neste passo, entretanto – afasto do leitor esse medo – não é ensejado proceder a nenhum ensaio científico-literário acerca do rádio, mas o móvel desde comentário radica em manifestar meu agrado, e – creio – de milhares de ouvintes, pela audiência do programa Escutar e Pensar, de assinatura do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Fortaleza – GPFOR, levado ao ar às sextas-feiras, das duas às três da tarde, pela excepcional Rádio Universitária FM, da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (tenho a honra de compor seu Conselho Curador), vinculada à UFC.

O Programa, de qualidade bem acima da média dos compostos e realizados no Estado, é produzido pela Professora Maria Lívia Marchon e tem no seu ativo um grupo de psicanalistas, psicólogos e profissionais de esgalhos científicos afins, de máxima qualificação universitária (muitos dos quais militando na Academia em programas de elevados estudos stricto sensu) e experiência clínica diuturna.

O escopo de Escutar e Pensar é fazer um liame da Psicanálise com outros saberes, ao debater assuntos corriqueiros, porém sob o prisma dos lineamentos científicos, no entanto, com linguagem bem traduzida, a fim de acertar o maior número possível de admiradores, os quais também participam do Programa por via telefônica, há quase dez anos.

Nesta sexta-feira, 06 de novembro de 2015, experimentei alçadíssimo grau de contentamento, ao ouvir uma das mais distintas pessoas que já tive o lance de conhecer – para mim uma dádiva de Deus – o médico, psiquiatra e psicoterapeuta psicanalítico teresinense Valton de Miranda Leitão, cujos olhos divisam meridianamente a verdade, ao lograr com clarividência cindir o útil do ocioso, separar da guerra velada a concórdia e, enfim – para me não alongar nos pares de opostos diametrais – divisar o acordo em relação ao combate, qual o cego do meu soneto oximóron Insânia Lúcida : “Na expungida visão de quem jaz vivo,/Cego visório o meu exício ensaio...

Na mencionada audição do Escutar e Pensar, também a Professora Lívia Marchon, cuja fala alvitra a paz e a opinião sugere a bondade, ultrapassou a excelência de suas posições, nos apartes consentâneos para concertar juízos conceituosos, em adição ou remate às lições desse Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará – Homem e Instituição se merecem – cuja fecundidade reflexiva conquista o coração mais crestado pelo desdém, mercê, principalmente, dos aprestos intelectuais amanhados no curso de seus estudos acadêmicos, não lindados somente à Medicina, ou na contingência da autodidaxia de quem não suporta ficar longe dos livros e divorciado do pensamento contumaz, na melhor acepção que esse vocábulo possa suportar.
  
No dia, a piéce de résistance descansou no tema intolerância, acerca da qual o Dr. Valton de Miranda Leitão, assestando conhecimentos interdisciplinares e mencionando autores a mancheias, discorreu a respeito do assunto, com faustoso detalhamento e raciocínio por via de premissas silogísticas, como se faz ao se operar a Lógica Formal – matéria por ele bem conhecida. Exemplificou com o emprego da maldade humana, em relação a violência e perseguição àqueles cujas posições lícitas  divergem daquelas de assunção dos agentes coléricos e persecutórios, no concernente a Política, confissões religiosas, torcidas de futebol e outros esportes, raça, cor, sexo e tantos outros aspectos em que não há unanimidade de pensamento, aduzindo o fato de que essa condenável atitude é corrente no mundo inteiro, não existindo, pois, somente a  débito do Brasil, como alguém poderia supor.

Ganhei a tarde, mais uma vez, agradecido à Divina Providência pela comparência de personalidades de tanta claridade aos veículos de comunicação massiva para deitar cátedra em temáticas ordinárias e de suma preeminência, todavia, nem sempre cuidadas com o necessário desvelo por quem armazena a capacidade de fazê-lo com decisão, acerto e determinação, consoante procedem os bem aquinhoados intelectuais e cientistas que fazem piso do programa Escutar e Pensar, da nossa Rádio Universitária FM, componentes e convidados do GPFOR, partícipes do “alto clero” da inteligência cearense.

Meus emboras ao Doutor Valton, pelo estalão de homem e cidadão que ostenta ser, com vigor, lógica, inteligência, preparo e, sobretudo, bondade, ao se posicionar com serenidade nos seus livros, artigos, palestras e assemelhados contra os excessos e o desrespeito às compreensões das pessoas acerca de quaisquer assuntos a que têm direito de acessar e empreender juízos particulares, quase nunca acordes e integrais, em razão da diversidade raciocinativa inerente à pessoa humana.

Ao ouvir o Escutar e Pensar desta sexta-feira (06.11.2015), desentulhei, pois, os ouvidos da zoada do trânsito, da oitiva de tanto alcance financeiro e da azáfama discordante que opera a massa amorfa e desinteligente,  a trazer sobrosso a quem anela a tranquilidade pela expressão do seu pensamento e peleja pela convivência  sossegada.


Nenhum comentário:

Postar um comentário