Morreu nosso Guilherme Neto*
(1925-2014)
Fortaleza está viúva
A noite é o luto
Ricardo
Guilherme*
Guilherme Neto
constitui uma legenda de pioneiras realizações, em mais de seis décadas de
atividades como cantor, jornalista, diretor de rádio e TV, cronista, poeta,
publicitário, memorialista e dramaturgo. Esse mestre de gerações, desde a
década de quarenta do século XX, foi entregando a artistas e comunicadores o
fogo da criação, feito um Prometeu que fecunda com a luz que dele emana o
coração daqueles que se irmanam e se inflamam para criar. Guilherme Neto não fez, tão-somente. Soube fazer com que
inúmeros profissionais fizessem, transformando-se em um deflagrador de vontades.
Por essa sua
vocação de semeador de consciências, articulando a invenção e a intervenção de
incontáveis produções no campo das artes, podemos em relação a ele parafrasear
os versos de Arthur Eduardo Benevides e dizer que de sua boca não brotam
somente canções; de sua boca, em palavras fluviais, caudalosas, brotam também
chuvas e sementes.
Guilherme
Neto, portanto, transcendeu a si mesmo. Detentor de talentos e detector de
talentos, meu amado tio João se converteu em um paradigma cujo alcance não se
circunscreve apenas à ética que rege o âmbito da atuação artística mas que se
estende, com lisura e fidelidade, à esfera de unânimes afetos. Por isso é que
estejamos certos de que sempre que se fizer o negrume da noite, haveremos
de ouvir dentro de nós a sua voz lunar,
de seresteiro, a despertar a lua. E, assim, então, outra vez enluarados pelo
vigor das graves e das agudas paixões, haveremos ser, como preconiza Olavo
Bilac, capazes de ver, de ouvir e de entender estrelas.
Fortaleza,
essa cosmopolita província, atlântica “provincianópole” de memória tão
nebulosa, deve e precisa reverenciar
Guilherme Neto, o santo profano, padroeiro dos botecos, das vielas marginais,
dos becos e das esquinas boêmias. Fortaleza – esse lugar para onde a gente nunca pode voltar porque na volta a cidade
já não é mais a mesma, transfigurada por uma voracidade quase suicida – deve e precisa reverenciar Guilherme Neto,
esse Dom Quixote que para a nossa pátria-cidade sempre sonhou e realizou tantas
pasárgadas. Só assim nos será possível afugentar a morte, irmã da vida, e imortalizar
esse ser apaixonado e apaixonante que a todos ensinou a viver infinitamente a
vida.
Ave, Guilherme
Neto, senhor de todos os tempos e de
tempo algum. Ave, velho Guiba. Ave, G de N! Os que viveram e os que vivem – em
nome dos que ainda vão viver – te saúdam. Obrigado por sempre existir e obrigado por em ti nos fazer
existir sempre. Ave, vida!
* Guilherme Neto é Patrono Perpétuo da Cadeira de Nº 25 da ACLJ
*Ricardo Guilherme
Jornalista - Cronista - Poeta - Ator - Dramaturgo
Professor Universitário - Apresentador de Televisão
Membro da ACLJ
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