domingo, 4 de janeiro de 2015

DISCURSO (RG)

Morreu nosso Guilherme Neto*
(1925-2014)
Fortaleza está viúva
A noite é o luto
Ricardo Guilherme*


Guilherme Neto constitui uma legenda de pioneiras realizações, em mais de seis décadas de atividades como cantor, jornalista, diretor de rádio e TV, cronista, poeta, publicitário, memorialista e dramaturgo. Esse mestre de gerações, desde a década de quarenta do século XX, foi entregando a artistas e comunicadores o fogo da criação, feito um Prometeu que fecunda com a luz que dele emana o coração daqueles que se irmanam e se inflamam para criar. Guilherme Neto  não fez, tão-somente. Soube fazer com que inúmeros profissionais fizessem, transformando-se em um deflagrador de vontades.

Por essa sua vocação de semeador de consciências, articulando a invenção e a intervenção de incontáveis produções no campo das artes, podemos em relação a ele parafrasear os versos de Arthur Eduardo Benevides e dizer que de sua boca não brotam somente canções; de sua boca, em palavras fluviais, caudalosas, brotam também chuvas e sementes.

Guilherme Neto, portanto, transcendeu a si mesmo. Detentor de talentos e detector de talentos, meu amado tio João se converteu em um paradigma cujo alcance não se circunscreve apenas à ética que rege o âmbito da atuação artística mas que se estende, com lisura e fidelidade, à esfera de unânimes afetos. Por isso é que estejamos certos de que sempre que se fizer o negrume da noite, haveremos de  ouvir dentro de nós a sua voz lunar, de seresteiro, a despertar a lua. E, assim, então, outra vez enluarados pelo vigor das graves e das agudas paixões, haveremos ser, como preconiza Olavo Bilac, capazes de ver, de ouvir e de entender estrelas. 

Fortaleza, essa cosmopolita província, atlântica “provincianópole” de memória tão nebulosa,  deve e precisa reverenciar Guilherme Neto, o santo profano, padroeiro dos botecos, das vielas marginais, dos becos e das esquinas boêmias. Fortaleza – esse lugar para onde a gente nunca pode voltar porque na volta a cidade já não é mais a mesma, transfigurada por uma voracidade quase suicida – deve e precisa reverenciar Guilherme Neto, esse Dom Quixote que para a nossa pátria-cidade sempre sonhou e realizou tantas pasárgadas. Só assim nos será possível afugentar a morte, irmã da vida, e imortalizar esse ser apaixonado e apaixonante que a todos ensinou a viver infinitamente a vida.

Ave, Guilherme Neto,  senhor de todos os tempos e de tempo algum. Ave, velho Guiba. Ave, G de N! Os que viveram e os que vivem – em nome dos que ainda vão viver  te saúdam. Obrigado por sempre  existir e obrigado por em ti nos fazer existir sempre. Ave, vida!


* Guilherme Neto é Patrono Perpétuo da Cadeira de Nº 25 da ACLJ



*Ricardo Guilherme
Jornalista - Cronista - Poeta - Ator - Dramaturgo
 Professor Universitário - Apresentador de Televisão
Membro da ACLJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário