RENATO SAMPAIO
ANDRADE
(UM HOMEM)
Iolanda
Andrade*
Não ter vergonha do nome do pai é a nobreza do
plebeu. (LAMARTINE).
Há mais de quatro anos, findou sua missão na Terra. Sua história, porém,
ficou como livro aberto. Homem simples, de carisma extraordinário, destacava-se
em bravura e bondade, caráter e personalidade.
Alfabetizou-se sozinho e pouco frequentou os bancos escolares, porém sabia
mais do que certos doutores.
Corpo encurvado pela força dos anos, cabeça branca, de ideias férteis.
Olhar lacrimejante e profundo, gasto pelo tempo; visão de quem vislumbrava
longe o que estava por vir. Pele envelhecida, como a mostrar as vicissitudes
que passou, os caminhos percorridos com dificuldade e altivez. Andava trôpego,
mas com passos decisivos de quem já correra por demais na vida.
Contava causos e mais causos, entre verdades tristonhas e mentiras
risonhas, narradas de forma engraçada, com o objetivo lúdico de prosear, mudar
o rumo do barco à deriva. Dava gostosas gargalhadas das suas estórias, mas,
antes, se mostrava sério para se fazer acreditar por quem não o conhecia. E
como conseguia enganar!
Sabia toda a história da sua terra, desde os antepassados. Tinha como
ídolo Virgulino Ferreira da Silva, o famoso cangaceiro Lampião, mas admirava, também, Antônio Conselheiro (Antônio Vicente
Mendes Maciel) e Padre Cícero Romão Batista.
Tudo nele lembrava o ser humano que fora. Mãos calosas, pés ásperos, pele
curtida – ali estava o agricultor amante da Natureza; caligrafia desenhada e
linguajar ilustrado – então se mostrava o tabelião, o homem culto, o
historiador nato que amava a leitura; mãos hábeis, capazes e mente vivaz –
assim se exprimia o comerciante, o artesão de alpercatas, selas e arreios; e
homem público, amigo de todos – de tal modo estava expresso o político,
vereador que muito lutou pelo progresso de Palmácia.
Vivera toda a longa vida na Serra, entre a área urbana e a zona rural. E, quando no vigor vital, irrequieto
que era, não parava em lugar algum, sempre descobrindo, inventando,
organizando, plantando, colhendo, escrevendo, registrando, casando...
Era politizado, pessoa da cidade e da roça, da chuva e do sol, da caneta e
da enxada. Andava em lombos de burros e a pé, com surrões de frutas, cereais ou
legumes às costas, colhidos de suas plantações.
Sincero, detestava a injustiça e, por desprezo a ela, seria capaz de
comprar uma briga. Religioso, invocava constantemente o nome de Deus em suas
ações e orações.
Era amigo de todos, excelente filho, irmão caridoso, tio querido,
excepcional marido, verdadeiro pai, bondoso vovô e incomparável sogro, pelo
apreço devotado aos genros e nora.
Viveu 94 anos para amar e narrar a história do seu povo.
Assim foi meu Pai – Renato Sampaio Andrade – ilustre cidadão palmaciano,
alguém muito especial: um homem...
*Iolanda Andrade é socióloga,
docente, prosadora e poetisa,
natural de Palmácia-CE.
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