terça-feira, 13 de janeiro de 2015

CRÔNICA (IA)

  
RENATO SAMPAIO ANDRADE
(UM HOMEM)
Iolanda Andrade*

Não ter vergonha do nome do pai é a nobreza do plebeu. (LAMARTINE).

Há mais de quatro anos, findou sua missão na Terra. Sua história, porém, ficou como livro aberto. Homem simples, de carisma extraordinário, destacava-se em bravura e bondade, caráter e personalidade.

Alfabetizou-se sozinho e pouco frequentou os bancos escolares, porém sabia mais do que certos doutores.

Corpo encurvado pela força dos anos, cabeça branca, de ideias férteis. Olhar lacrimejante e profundo, gasto pelo tempo; visão de quem vislumbrava longe o que estava por vir. Pele envelhecida, como a mostrar as vicissitudes que passou, os caminhos percorridos com dificuldade e altivez. Andava trôpego, mas com passos decisivos de quem já correra por demais na vida.

Contava causos e mais causos, entre verdades tristonhas e mentiras risonhas, narradas de forma engraçada, com o objetivo lúdico de prosear, mudar o rumo do barco à deriva. Dava gostosas gargalhadas das suas estórias, mas, antes, se mostrava sério para se fazer acreditar por quem não o conhecia. E como conseguia enganar!

Sabia toda a história da sua terra, desde os antepassados. Tinha como ídolo Virgulino Ferreira da Silva, o famoso cangaceiro Lampião, mas admirava, também, Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel) e Padre Cícero Romão Batista.

Tudo nele lembrava o ser humano que fora. Mãos calosas, pés ásperos, pele curtida – ali estava o agricultor amante da Natureza; caligrafia desenhada e linguajar ilustrado – então se mostrava o tabelião, o homem culto, o historiador nato que amava a leitura; mãos hábeis, capazes e mente vivaz – assim se exprimia o comerciante, o artesão de alpercatas, selas e arreios; e homem público, amigo de todos – de tal modo estava expresso o político, vereador que muito lutou pelo progresso de Palmácia.


Vivera toda a longa vida na Serra, entre a área urbana e a zona  rural. E, quando no vigor vital, irrequieto que era, não parava em lugar algum, sempre descobrindo, inventando, organizando, plantando, colhendo, escrevendo, registrando, casando...

Era politizado, pessoa da cidade e da roça, da chuva e do sol, da caneta e da enxada. Andava em lombos de burros e a pé, com surrões de frutas, cereais ou legumes às costas, colhidos de suas plantações.

Sincero, detestava a injustiça e, por desprezo a ela, seria capaz de comprar uma briga. Religioso, invocava constantemente o nome de Deus em suas ações e orações.

Era amigo de todos, excelente filho, irmão caridoso, tio querido, excepcional marido, verdadeiro pai, bondoso vovô e incomparável sogro, pelo apreço devotado aos genros e nora.

Viveu 94 anos para amar e narrar a história do seu povo.

Assim foi meu Pai – Renato Sampaio Andrade – ilustre cidadão palmaciano, alguém muito especial: um homem...
  

*Iolanda Andrade é socióloga, 
docente, prosadora e poetisa, 
natural de Palmácia-CE

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