PARTIDA MELANCÓLICA
Iolanda Campelo Andrade*
Não me questionem se minhas atitudes mudarem. Os ponteiros do relógio avisam que é hora de partir desse lugar chamado ingenuidade exacerbada. (ANDREZA FILIZZOLA).
Não era qualquer mala, mas uma de madeira.
Era nova, funda, revestida de papel quadriculado, em amarelo e marrom, pintada
com verniz copal, com alça de alumínio. Lembro-me muito bem! O máximo que eu
podia possuir.
Nela, Mamãe arrumava minhas roupas:
vestidos, blusas, saias... Ah! Mais uma dúzia de calcinhas novas e três sutiãs,
em folha, também.
Entre minhas roupas, a farda escolar.
Esquisita! Saia cinza, abaixo dos joelhos. Tinha pregas-macho bem fundas, na frente. A blusa era branca, de mangas curtas e
costas cerzidas. Sim, senhor (a), cerzidas mesmo! Remendadas, para melhor
dizer; consertos feitos pela Mamãe, à altura dos ombros. Do lado esquerdo da
blusa, um bolso com o emblema do colégio, por sinal estabelecimento público –
Colégio Municipal Filgueiras Lima. Nos ombros, o distintivo – estrelinhas de
cerâmica – indicativas do meu ano escolar: Primeiro Normal.
Visto aí que não era uniforme novo, mas
sobrante de uma prima que havia estudado nesse mesmo lugar, para onde eu estava
sendo “forçada” a ir estudar; não que não apreciasse o estudo, pelo contrário,
o problema era a partida, a melancólica partida que eu teria de fazer.
De volta à mala... Dentro dela, ainda, um
lençol, toalha, uma caixa de sabonetes, escovas de dentes e de cabelos, creme
dental, perfume, desodorante, xampu e um tubinho de condicionador capilar, de
marca – recordo-me dos detalhes ... Tudo preparado.
Por cima das roupas, já para fechar a mala,
o caderno dos meus sonhos! Linda brochura, coisa luxuosa para mim. Na capa
dura, o desenho de uma adolescente beijando uma flor. Ao lado do caderno, o
estojo com uma dúzia de canetas de boa qualidade, uma régua, três excelentes
canetas esferográficas em cores distintas, uma borracha, um lápis e um
apontador, tudo num invólucro de plástico, com fecho ecler. Esse o meu tesouro.
Mamãe fechou a mala. Já era tardinha e o
Sol já se punha. Meu último dia na Serra...
Passei a noite em pesadelos, entre dormir e
acordar, pensando na minha vida nova. Conciliei pouco o sono e despertei com
leve toque no ombro e uma voz: – Acorde,
minha filha, vá se ajeitar
pra gente ir. O Sol já havia
aparecido. Era Papai que, sem querer, ia me levar a mares nunca dantes navegados... E, por sinal, mares bravios alencarianos! E eu sofria!
Tinha que partir... Não desapontaria meus
pais. Arrumei-me, despedi-me da Mamãe e da Vovó Senhora e saí. Meus irmãos
ainda dormiam.
O ônibus da viação que faz a linha de
Palmácia estava à minha espera. Imponente. Era o carrasco a conduzir-me ao
cadafalso! O que aprontei para merecer tamanha sina? Que arte fiz para receber
essa maldade? Papai ia comigo. Segui, triste, a viagem, mas procurei não
demonstrar. Afinal, havia de concluir meus estudos.
E minha Serra ficava para trás... Minha
casa, a família, os amigos, minha escola, a praça onde tanto brinquei, o sítio,
a perene fonte, a bica dos Caboclos, as cachoeiras, o poço dos Cachorros, os
montes... O Santo Cruzeiro... A pedra do
Bacamarte – altiva, assistindo à minha tristeza... Meu amor, meu primeiro amor... E eu ia
despedindo-me de tudo, pela janela, escondendo as lágrimas para não preocupar
Papai. Cada pedra era uma saudade! Toda árvore uma recordação. Até mais ver,
Palmácia, até a volta!
Chegamos ao destino. Estávamos em
Fortaleza, na casa de pessoas da família que me acolheriam. Todos na sala:
minha prima, seu marido, seu filho, alguns amigos e minha tia. Era domingo e
bebericavam.
Papai entregou-me a mala e o segui. Ao
transpor a porta, enganchei os pés no tapete e caí. A mala nova desabou também e se abriu na queda. As roupas se espalharam pela
sala, o vidro de perfume se quebrou...
E com aquele episódio, fiquei passada de
vergonha!
Foi esta a primeira decepção experimentada
na Cidade grande. E eu tinha apenas 15 anos...
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