segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

ARTIGO (RMR)


TOLERÂNCIA, RESPEITO 
E VITIMOLOGIA
Rui Martinho Rodrigues*

Multiplicam-se as críticas aos “exageros” sarcásticos dos cartunistas vitimados pelo terrorismo na França, lembrando o respeito ao que é sagrado para o outro. Argumenta-se, ainda, com a vitimologia.

Mas devemos distinguir entre tolerância e respeito. Democracia é tolerância com aquilo de que discordamos e até condenamos moralmente. Tolerar significa apenas conviver pacificamente. Respeito, porém, é um tributo a ser pago ao mérito, é um reconhecimento. Não somos obrigados a render tributo ao que a nossa consciência condena, embora sejamos obrigados a tolerar tais coisas.

A tolerância, porém, tem limites. Popper, o arauto da tolerância, disse: “o limite da tolerância é a intolerância do outro”. Gandhi, convidado a parar a resistência anticolonial na Índia enquanto durasse a II GM, calou-se em face da indagação do Lord Mountbatten , vice-rei da Índia: “É possível enfrentar o nazismo com a não-violência?”

O silêncio do apóstolo da não-violência foi muito eloquente: a resistência cessou. Não é razoável invocar a vitimologia em nome do respeito. Não há mérito a ser homenageado na barbárie. Apedrejar mulheres e mutilar suas genitálias, usar crianças como escudos humanos e como meninas-bombas, degolar, crucificar e sepultar pessoas vivas são atitudes que não merecem nenhum respeito.


O sagrado, as religiões em geral, não podem exigir respeito. Aquilo a que elas têm direito é a tolerância, na medida em que não ultrapassem os limites do tolerável. A tolerância não pode ser invocada para silenciar a crítica. As igrejas precisam de crítica externa. Digo isso como crente que sou. Colocar-se acima da crítica prejudica as religiões.

A crítica despropositada ou fundada em afirmações falsas enseja a responsabilidade criminal e nada mais. Não há necessidade de censura nem autocensura. O crime de vilipêndio aos símbolos sagrados deve ser considerado com muita parcimônia. Na perspectiva de lege ferenda o tipo penal não deveria existir. O exercício da crítica alcança as organizações religiosas, as ideias e as crenças, que inclusive podem criticar umas às outras.

Vozes se levantam para falar em “exclusão” de imigrantes e descendentes de imigrantes islâmicos na França. Esquecem-se estes críticos de que a França oferece aos imigrantes as delícias do Estado Provedor: escola de qualidade inteiramente gratuita; serviços de saúde idem; programa de renda mínima que há vários anos já era de seiscentos euros (mais de dois salários mínimos do Brasil).

Não há exclusão dos serviços essenciais. Os que não querem se integrar, para manter suas tradições, têm o direito a fazê-lo. Caso contrário, haveria um justo motivo de queixa. Irracional é não querer se integrar e depois queixar-se de exclusão. Menos admissível ainda é querer impor as suas tradições, recorrendo ao uso da violência, à sociedade que acolheu imigrantes necessitados.

O argumento segundo o qual os radicais são minorias no islã também tem sido lembrado. Minorias eram os extremistas nazistas na Alemanha, e os comunistas radicais na URSS de Stalin, e os japoneses radicais à época do militarismo no Império do Micado, e os católicos fanáticos, ou oportunistas, por ocasião da Inquisição. Os radicais não precisam ser maioria: basta que sejam dominantes. E eles muito frequentemente são dominantes no islã.

Afeganistão, Irã, Paquistão, Síria, Iraque, Líbia, Argélia, Somália, Mali, Nigéria, República Centro Africana, Sudão, Iemen, Rússia, China, Índia, Espanha, França, Reino Unido, EUA, e em todos os lugares do mundo onde o islã se faz presente, a violência se instala.


*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

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