É BRIBA,
MESMO !
Vianney
Mesquita*
[...] Disse-lhe cobras e lagartos [...]
Resulta bastante comum, em particular se procedente de pagos
mais distantes dos centros urbanos – mais atrasados sob vários pontos de vista
– a criança conduzir para a adultícia ideias equívocas acerca de fala e grafia
de termos e dicções aprendidos na infância, perpassando a adolescência,
entrando na senectude e, muita vez, conduzindo a ideia enviesada no decurso de
toda a vida, até seu ocaso.
É fato recorrente tal suceder, por exemplo, e entre muitas
outras obliquidades, com governo (“gonverno”), pele (“péa”), registro
(“resistro”), deteriorado (“destiorado”), leite mungido (“mugido”), assessor
(“assensor”), funcionário (“foncionário”) e aposentadoria (“aposento”). Aliás,
hoje esta acepção de reforma por tempo de serviço ou motivo outro está
dicionarizada – talvez sem muita responsabilidade de quem o fez – no sentido de
pagamento de aposentadoria: hoje é dia de ir ao banco receber meu aposento.
Trouxe para a adultidade, e.g.,
a grafia desacertada de “ouriversaria” (ourivesaria), palavra por mim
divisada, salvante lapso de memória, na placa da Óptica Sansão, na primeira vez
que vim de Palmácia a Fortaleza, a qual cedo corrigi, mercê das leituras de
referência de formação, insertas na didática oficial, necessárias durante a
quadra escolar e as quais afastaram esta e incontáveis imperfeições
ortográficas carreadas da área rural para a “civilização”, como se dizia com
aberto preconceito.
Um desses vocábulos, porém, que ainda hoje é objeto de dúvidas a
respeito de seu emprego, coincide com a palavra briba, cuja averbação lexicográfica remonta ao ano de 1913,
conforme o Novo Dicionário da Língua
Portuguesa, de Cândido de Figueiredo (Lisboa, 1899, apud SALLES VILLAR; HOUAISS,
2003), há mais de cem anos, portanto.
Antes de prosseguir com o assunto da controvérsia BRIBA/VÍBORA,
ainda hoje ocorrente na contextura local, decerto em todo o Nordeste do Brasil,
convém que me reporte à configuração histórica e à taxinomia expressa pelos
dicionaristas, lexicólogos de ofício, com suporte nos herpetólogos, que cuidam
do estudo científico dos répteis.
Em segunda acepção, é bom explicar, há outra espécie de
herpetólogos, que tratam das dermatoses chamadas herpes, cujas atribuições, dos
dois especialistas, não se comunicam.
Em Portugal e, certamente, nas ex-colônias, como Angola, Cabo
Verde e Moçambique, por exemplo, em língua oficial, briba é o mesmo que osga
– nome vulgar, provindo do Árabe, de um gênero de sáurios que habita as partes
quentes da Terra, lagartos pequenos, lagartixas, nosso calangro branco do
Nordeste, de significativa ocorrência no Ceará.
Na classificação científica procedida pelos da ala de Carlos
Lineu, naturalistas-zoólogos, ocorre o gênero Briba – o que,
certamente, já afasta a identificação atravessada com a palavra víbora,
que pretenderam nos ensinar a nós crianças como correto, ao se pensar
que a dicção briba seria a víbora do
beiradeiro caipira, do matuto da praia (em uma das muitas significações de caiçara) e do analfabeto, simples
corruptela do nome, consoante acontece, também, com Bocage-“Bocais” e
Camões-“Camonge”, expressões correntes de emprego, ainda hoje, nas comunidades
rurais.
Consoante às obras de referência, só há uma espécie do gênero Briba
no Brasil, a Briba Brasiliana
(assim, em Latim, mesmo), ocorrente no Piauí e em Minas Gerais, em informação
de teor por demais relativo, hajam vistas as características semelhantes dos
seus estados vizinhos, com habitats
parecidos, como Bahia em relação a MG e Maranhão e Ceará, comparativamente ao
Piauí.
Briba
é, também, a despeito do informe retroexpresso, a designação
ordinária conferida a alguns tipos de pequenos lagartos ocorrentes no Nordeste
brasileiro, com o corpo alongado e os membros reduzidos, aquele calanguinho que
costuma dormitar por horas, à espera de pequenos insetos, atrás das imagens de
santos apostas às paredes das casas. Daí o ditado: dorme mais do que calango atrás de imagem de santo.
Os linguistas admitem, sem qualquer fato a iluminar a recepção
dessa ideia, a possível deturpação linguística do termo víbora, transmudado no vocábulo briba, o qual, sob o
prisma da herpetogia, é diferente em vários aspectos, como, por exemplo, no que
concerne à peçonha excretada por esse réptil, à semelhança das serpentes jararacas
(Botrops jararaca) e cascavéis (Crotalus terrificus durissus), muitas
vezes de picada letal.
De víbora, provém o
adjetivo viperino, cujo significado
é venenoso, mordaz, perverso e maléfico, enquanto o substantivo briba não produziu nenhum nome sugestivo
de toxicidade, ruindade, mesquinhez, depravação etc. Extensivamente, pois, víbora
representa a pessoa traiçoeira, de temperamento agressivo, a qual ninguém
quer arrostar.
Víbora, por sua vez, sob o
espectro da taxionomia zoológica, designa, consoante às obras lexicográficas
arrimadas na herpetologia, as serpentes do gênero Vipera, família dos viperídeos, com cabeça grande, mais larga do
que o pescoço, olhos com pupilas verticais e cauda curta e cônica. Também é a
denotação comum a várias cobras venenosas, da subfamília dos viperíneos.
A despeito de os dicionários registrarem, também, em acepções
subsequentes (talvez até por conta do costume de se chamar de víboras aos nossos pequenos calangos
brancos), os dois vocábulos como
sinônimos, atentemos para a etimologia lácico-científica do gênero Vipera: do Latim vipera, ae ‘serpente, víbora, réptil peçonhento’. Isto, então,
longe está de corresponder à verdade, negada por muitas pessoas que
inocentemente entendem falar correto ao negar briba, quando estão redondamente equivocadas e, ainda mais, induzem
seus circunstantes a persistirem no engano ou até a mudarem de opinião,
bandeando-se para o lado falso.
De tal sorte, conquanto os dicionários aceitem – no meu sentir,
equivocadamente, haja vista a etimologia lácica há pouco reproduzida – víbora como sinônimo de briba, é vedado se propalar a
inexistência da dicção briba.
Em virtude de tal confusão, me lembro bem, alguém falar em “vibra” e “bríbora”, como a cunhar meios-termos a fim de pacificar uma
pendenga tão prosaica, mas que se arrasta no tempo e carreia dúvidas, não
apenas neste caso, que serve apenas de exemplo para diversas pendências
linguísticas de semelhante natureza e que impende sejam aquietadas.
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