quarta-feira, 30 de julho de 2014

CRÔNICA (RV)

 DÍSTICO APAIXONADO
Reginaldo Vasconcelos*


Deu na Time. O piloto de jato americano gravou suas últimas palavras na caixa preta do avião, quando o aparelho imbicava irremediavelmente para o solo: “Ma, I love you!”. 

Não sei que nome feminino está sintetizado nesse minúsculo nickname, tampouco saberia dizer por que razão o apaixonado militar não acionou a poltrona ejetora a catapulta-lo sobre a  morte. Também não dá para invocar o super-homem, que faça o mundo girar ao contrário para livrá-lo da tragédia. Só sei que foi assim, como diria o Suassuna.

O que importa aqui é o belo anúncio da paixão, o momento grave do manifesto, a melancolia inefável que transporta. O rapaz ia morrer e quis então registrar sua devoção à moça amada, grandiosa e definitivamente. Seu gesto corresponde a fazer soar uma declaração de amor por todas as planícies do universo, espalhar bandeiras com dísticos afetivos sobre os picos das montanhas, cobrir o mar com rosas púrpuras, com dedicatórias em bilhetes. Ele ia morrer e ele a amava. 

Um dia desses vi pela rua uma mulher que amei demais. Ela passava, eu passei, sequer me viu. Mas de dentro do carro tive ganas de ejetar-me dali e ir abraçá-la na calçada, e dizer-lhe o quanto a amei no passado, e apresenta-la à família como antigo bem-amado.

Diria às atuais donas de mim, senhoras da minha alma, que aquela criatura inexpressiva um dia representara na minha vida o sino e a ponte, o barco e o porto, a vela e a porta, a faca e o pomar. Fora eu um piloto que fosse morrer naquela época talvez tivesse lembrado de timbrar o meu amor a ela nos gravadores do avião, sem saber que, em não morrendo eu, que não morri, aquele sentimento morreria, para converter-se em apenas nostálgica lembrança. 

Penso que morreria de amor se fosse o caso. E por amor mataria, se necessário, porque sou mesmo dado a esses rasgos amorosos. E por amor trabalharia de pastor por sete anos, como teria feito o bíblico Jacob, o qual queria desposar Raquel, “serrana bela”.

E se não fosse necessário tanto, mas fosse possível conquistar a amada mulher pichando muros eu faria como o moço do subúrbio que escancarou na parede mais suja, com a sua pior caligrafia, com tinta barata, mas em letras garrafais: 
Dea. Te adoro, sua doida!
E assinou: Jean.



*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ   

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