quinta-feira, 17 de julho de 2014

ARTIGO (RMR)

O MILAGRE REVERSO
Rui Martinho Rodrigues*


Há uma tendência para milagres na vida pública. Não temos crescimento econômico, a indústria se retrai, não temos investimentos, mas temos o menor índice de desemprego da nossa história. Eis o milagre. Mas, milagre reverso.

A queda do desemprego se deve, em parte, ao crescimento dos "nem-nem", assim chamados os jovens que nem querem estudar nem trabalhar. Tecnicamente desempregado é quem procura emprego. Os nem-nem não são desempregados. Os programas de transferência de renda inflaram a população dos nem-nem. Os desempregados minguaram. Parte dos empregos "novos" são mera formalização de trabalhadores avulsos. Outra faceta do milagre.

É milagre não termos investimentos públicos, tendo recordes de crescimento da arrecadação de impostos, sobre uma carga tributária extremamente elevada. Fazemos sempre algum superávit primário, mas a dívida interna cresce estupidamente. Milagre reverso. O destino de tantos tributos não se explica.

A dívida cresce sem que se faça investimento; pleno emprego sem crescimento econômico: Milagre. Salvo se admitirmos muita roubalheira e ineficiência como explicação plausível.

O milagre se torna maior diante da janela demográfica, momento de transição da dinâmica populacional, com poucas crianças, por força da queda dos índices de fertilidade, e poucos idosos. É oportunidade de crescimento, com a maior parte da população em idade produtiva, com baixa demanda de despesas com assistência. Este seria o momento de um crescimento acelerado.
Estamos jogando fora uma montanha de tributos, uma oportunidade dada pela dinâmica demográfica e até há pouco tempo uma conjuntura internacional favorável, com os nossos produtos primários se valorizando grandemente. Argentina, Equador, Venezuela e Brasil têm os piores índices de crescimento da economia e as contas públicas mais desorganizadas do continente. Tudo em nome de convicções que sempre levam ao desastre. Somos perseverantes nos erros.

Só pensamos em distribuir riqueza, não importa que isso possa significar o sacrifício da galinha dos ovos de ouro, que são os investimentos produtivos. Os “virtuosos” não pensam em melhorar a produtividade, nem sequer em aumentar a produção bruta. Só pensam em distribuir uma riqueza que supostamente já existe em quantidade suficiente, além de presumidamente perene, dispensado o esforço de sustentação da economia.

É a Torre de Babel, em que se pretendia conquistar o céu sem precisar morrer. Há até quem queira acabar com o trabalho. O neocarolismo político sabe iludir. Diz que milagre foi o crescimento com investimento produtivo. Só em logística investíamos 7% do PIB. Hoje se investem 2% em todos os setores. Sabíamos a origem e o destino dos recursos. Os investimentos, até a crise do petróleo, vinham do superávit fiscal, depois passaram a vir de empréstimos. O destino eram hidrelétricas que ainda hoje nos abastecem, estradas agora deterioradas, portos, aeroportos, sistemas de telecomunicação e habitações populares.

Tristes trópicos.
*Rui Martinho Rodrigues
Professor - Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

Nenhum comentário:

Postar um comentário