FÉ, ESPERANÇA E
CARIDADE
Reginaldo Vasconcelos*
Sempre que viajo pela
região de Itapajé, no norte cearense, procuro adquirir as frutas que se
oferecem por ali, já na margem da rodovia, oriundas dos pequenos sítios das
Serras de Santana, Santa Luzia e Uruburetama, portanto absolutamente orgânicas,
livres dos tratos artificiosos das culturas intensivas.
Passando por lá há
algum tempo deparei com a feira-livre armada aos sábados no centro da cidade, e
no meio daquele alegre mafuá matuto encontrei uma enorme banca de fitoterápicos
– raízes, sementes, cascas, folhagens, pós e méis, infusões e outras
beberagens de pretensão medicinal, herança da cultura indígena e dos tempos
coloniais, de quando ainda não se isolavam os princípios ativos das plantas
para a feitura de remédios.
Depois de perguntar ao “raizeiro” a indicação de cada um de seus produtos e a sua posologia costumeira, e percebendo nele tanta convicção em prescrever os seus “remédios do mato”, eu lhe inquiri de chofre, lhe fitando nos olhos, mostrando a minha pior fisionomia de delegado de polícia, se de fato aquelas meizinhas tinham o efeito anunciado.
Surpreendido e
capturado de repente pela dureza da minha súbita indagação, ele perlustrou com
a vista os tabuleiros, coçou a cabeça, e me deu a sua resposta mais franca: “Home... A pessoa tendo fé!... Né? (sic).
Em poucas palavras está
resumido, na resposta daquele caboclo, o espírito brasileiro. “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”,
diz Gilberto Gil em letra de música, glosando a brasilidade mais profunda, que
agora se reflete nos jogos da Copa do Mundo de Futebol Association.
Ora, ganhar os jogos e
vencer o campeonato mundial depende unicamente da habilidade dos atletas, de
seu vigor, de sua velocidade – bem como da perícia dos técnicos que organizam
os treinos e estabelecem as estratégias.
Mas o povo brasileiro
abandona esse pragmatismo lógico e se entrega a orações e simpatias, rezas e
superstições – não como simples lenitivos morais de cada um, ou como adjutórios
místicos, mas como componentes fáticos da lei de causa e efeito, que determina
os resultados – exatamente como no caso daquele vendedor de puçangas, que
coloca o fideísmo acima das propriedades químicas curativas das “garrafadas” e dos cataplasmas
que prescreve.
Por conta desse vezo, subliminarmente consciente de que o selecionado nacional não pode depender somente das manobras de um único jogador – o hábil, acrobático, veloz e sereno Neymar Júnior – o País interpreta que o choro do capitão do time e do goleiro possa interferir na cabala ou na macumba entrevistas na tal da “corrente prá frente”, de modo que isso possa prejudicar o resultado.
Bobagem sobre bobagem.
Todos conhecemos a imagem clássica em que o jovem Pelé chora em preto e branco
ao final de uma Copa Mundi do passado, sem que isso haja denotado fraqueza sua
ou lhe tenha trazido azares desportivos. Pelo contrário, o pranto emocionado
muitas vezes é sinal de grandeza moral e pureza d’álma, que não desmerecem nem envergonham a seu
ninguém.
Enfim, para vencer a Copa
e atingir o campeonato é necessário apenas que a seleção tenha sido bem
escolhida e que esteja bem treinada, de modo a atuar de forma bem entrosada dentro
em campo, realizando dribles eficientes e corridas velozes, no caso dos atacantes, e com tenacidade e vigor, no caso dos homens da zaga. Feito isso, não há reza
que ajude nem há choradeira que atrapalhe.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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