A MORTE DE IMORTAIS.
O FATO JORNALÍSTICO
E O MARCO HISTÓRICO
Reginaldo Vasconcelos*
E O MARCO HISTÓRICO
Reginaldo Vasconcelos*
A Academia Brasileira de Letras acaba de perder três de
seus quarenta titulares, no espaço de apenas 20 dias, o que é um fato insólito.
O primeiro foi o carioca Ivan Junqueira, que morreu neste recente 03 de julho.
Mas os dois últimos a falecer eram da ala dos acadêmicos nordestinos
– outra coincidência histórica. Ambos grandes estrelas de popularidade nacional,
gente cujas letras decolaram para o teatro, o cinema, a televisão.
João Ubaldo Ribeiro, que deixou a vida terrena no último
dia 18, era baiano; Ariano Suassuna, paraibano, fez a passagem na tarde de ontem,
quando a ABL ainda celebrava as exéquias rituais a João Ubaldo.
Então se repete na mídia o cacoete de se abordar parentes e
amigos de cada um dos defuntos para lhes ouvir opiniões, deflagrando uma
cascata de lugares comuns e obviedades – pessoa inesquecível, perda
irreparável, tristeza profunda.
Autoridades, por seu turno, divulgam notas de pesar compostas
a partir de um manual de meia dúzia de frases que os assessores embaralham e
recombinam, sem poderem disfarçar a banalidade dos termos surrados. Para traduzir a perda de entes queridos ou célebres só o abraço e o silêncio, no máximo toques de sinos. Todas as palavras são supérfluas.
A morte natural na maturidade é tão previsível e inevitável
quanto os consequentes necrológios e epitáfios tautológicos. Tragédias para as famílias
enlutadas, apenas marcos históricos para a sociedade, em se tratando de homens
públicos que falecem.
Avoco-me, toda sorte, a obrigação de dizer algo, em nome da ACLJ,
sobre os fatos jornalísticos da sequência de eventos funestos no âmbito da
nossa congênere nacional, dois deles envolvendo intelectuais nordestinos, e
sobre o marco entrevisto no fim de ciclos literários intensamente produtivos.
João Ubaldo Ribeiro era um jornalista poliglota, bacharel
em Direito e professor, cronista e romancista refinado, que morou em três países
estrangeiros, casou três vezes, e vivia no Rio. Era cadeira cativa nos
botequins da boemia carioca, e tinha o seu norte onírico na Ilha baiana de
Itaparica.
Era um dos ícones da ilustre baianidade contemporânea, da
qual fizeram ou fazem parte Carybé e Jorge Amado, Glauber Rocha e Raul Seixas,
Gilberto Gil e Caetano Veloso. João Ubaldo viveu com prazer e morreu com honra.
Ariano Suassuna, também formado em Direito, era mais solar e menos marinho que o seu
comoriente baiano. Casou uma só vez e com a sua musa eterna, Zélia – a “mulher vestida
de sol”.
Criou e presidiu o “Movimento Armorial”, que pretendia
armar uma cruzada pela cultura sertaneja, contra influências estranhas, dotando
de nobreza heráldica própria todas as manifestações artísticas do semiárido
brasileiro.
O repente, a viola, a cantoria, a sanfona, o cordel, a
xilografia, o mamulengo, a cerâmica rústica, a vaqueirice, o cangaço, o xote, o xaxado, a caatinga, o couro cru, a culinária cabocla, a província, a paróquia, tudo isso
compunha o universo telúrico de Ariano Suassuna, e tudo isso perpassa a sua vasta produção literária, tão
bela quanto original, cuja obra-prima é o conto burlesco “Auto da Compadecida”,
que do teatro virou cinema e conquistou o país inteiro. Suassuna viveu com honra e
morreu feliz.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário