quinta-feira, 24 de julho de 2014

ARTIGO (RV)

A MORTE DE IMORTAIS.
O FATO JORNALÍSTICO 
E O MARCO HISTÓRICO
Reginaldo Vasconcelos*


A Academia Brasileira de Letras acaba de perder três de seus quarenta titulares, no espaço de apenas 20 dias, o que é um fato insólito. O primeiro foi o carioca Ivan Junqueira, que morreu neste recente 03 de julho.  

Mas os dois últimos a falecer eram da ala dos acadêmicos nordestinos – outra coincidência histórica. Ambos grandes estrelas de popularidade nacional, gente cujas letras decolaram para o teatro, o cinema, a televisão.

João Ubaldo Ribeiro, que deixou a vida terrena no último dia 18, era baiano; Ariano Suassuna, paraibano, fez a passagem na tarde de ontem, quando a ABL ainda celebrava as exéquias rituais a João Ubaldo.

Então se repete na mídia o cacoete de se abordar parentes e amigos de cada um dos defuntos para lhes ouvir opiniões, deflagrando uma cascata de lugares comuns e obviedades – pessoa inesquecível, perda irreparável, tristeza profunda.

Autoridades, por seu turno, divulgam notas de pesar compostas a partir de um manual de meia dúzia de frases que os assessores embaralham e recombinam, sem poderem disfarçar a banalidade dos termos surrados. Para traduzir a perda de entes queridos ou célebres só o abraço e o silêncio, no máximo toques de sinos. Todas as palavras são supérfluas.

A morte natural na maturidade é tão previsível e inevitável quanto os consequentes necrológios e epitáfios tautológicos. Tragédias para as famílias enlutadas, apenas marcos históricos para a sociedade, em se tratando de homens públicos que falecem.

Avoco-me, toda sorte, a obrigação de dizer algo, em nome da ACLJ, sobre os fatos jornalísticos da sequência de eventos funestos no âmbito da nossa congênere nacional, dois deles envolvendo intelectuais nordestinos, e sobre o marco entrevisto no fim de ciclos literários intensamente produtivos.

João Ubaldo Ribeiro era um jornalista poliglota, bacharel em Direito e professor, cronista e romancista refinado, que morou em três países estrangeiros, casou três vezes, e vivia no Rio. Era cadeira cativa nos botequins da boemia carioca, e tinha o seu norte onírico na Ilha baiana de Itaparica.

Era um dos ícones da ilustre baianidade contemporânea, da qual fizeram ou fazem parte Carybé e Jorge Amado, Glauber Rocha e Raul Seixas, Gilberto Gil e Caetano Veloso. João Ubaldo viveu com prazer e morreu com honra.

Ariano Suassuna, também formado em Direito, era mais solar e menos marinho que o seu comoriente baiano. Casou uma só vez e com a sua musa eterna, Zélia – a “mulher vestida de sol”.

Criou e presidiu o “Movimento Armorial”, que pretendia armar uma cruzada pela cultura sertaneja, contra influências estranhas, dotando de nobreza heráldica própria todas as manifestações artísticas do semiárido brasileiro.

O repente, a viola, a cantoria, a sanfona, o cordel, a xilografia, o mamulengo, a cerâmica rústica, a vaqueirice, o cangaço, o xote, o xaxado, a caatinga, o couro cru, a culinária cabocla, a província, a paróquia, tudo isso compunha o universo telúrico de Ariano Suassuna, e tudo isso perpassa a sua vasta produção literária, tão bela quanto original, cuja obra-prima é o conto burlesco “Auto da Compadecida”, que do teatro virou cinema e conquistou o país inteiro. Suassuna viveu com honra e morreu feliz.

*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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