É PROIBIDO PROIBIR
Reginaldo Vasconcelos*
“É proibido proibir”
é uma frase popularizada por Caetano Veloso em título e letra de música dos
anos 70, canção na qual a expressão é utilizada como refrão, e mesmo como mantra ideológico reiterado com
insistência.
Claro, trata-se de uma
frase de efeito que se referia aos excessos restritivos que se sofriam na época,
quando a repressão política do Governo Militar, na sanha de controlar a
esquerda, praticava censura cultural, que se espraiava para o campo da carolice
e do pieguismo moralista.
A intenção do autor
da música não era implantar a anarquia, mas protestar contra o cerceamento das
liberdades individuais que a ditadura praticava, atacando as letras e as artes
de forma radical naquele tempo, limitando os impulsos inovadores da juventude criativa.
Porém, passado o
transe político já há tantos anos, como que sob o efeito prolongado de estresse
pós-traumático o Poder Público brasileiro ainda permanece claudicando entre os
conceitos de autoritarismo e autoridade – aquele um vezo nefasto, este último
um preceito essencial à ordem pública, ao bem comum, à paz social.
Por exemplo, vem de lá um
autoritário chapa-branca moderno e inventa de impor nível zero de alcoolemia
aos guiadores de veículos, de modo a impedir até os padres de consumir o vinho
ritual em suas missas e sair do estacionamento da igreja dirigindo, o que, está visto, é um
exagero absoluto.
O Resultado disso,
como já se sabe hoje, é que resta desmoralizada a tal “lei seca”, e os grandes
bebedores continuam a guiar ébrios e a causar tenebrosos acidentes, enquanto as
pessoas de bem enfrentem o ridículo de evitar até o brinde de champanhe, se vão dirigir, para não
descumprir a letra fria.
Um outro obtuso do Governo resolveu reduzir a criminalidade nacional restringindo severamente a arma lícita, para desarmar a cidadania e deixá-la ainda mais vulnerável à bandidagem desvairada, que permanece e permanecerá armada até os dentes, enquanto as polícias e a Justiça enxugam gelo – por mais enxuto fique ele.
Não é que as pessoas
de bem fossem reagir aos assaltos e dar cabo dos criminosos de plantão que as
abordassem, mas o fato é que em sabendo não haver mais armas de fogo nas
residências e nos automóveis das famílias, nos escritórios e nas fazendas,
muito maior é o estímulo e a tranquilidade dos delinquentes para atacar as suas
vítimas – isso é o óbvio ululante.
Houve ainda algum
gênio federal que resolveu há algum tempo proibir o uso de filtros solares escurecedores dos
vidros dos veículos, na presunção estúpida de evitar o anonimato de eventuais
guiadores bandidos em fuga, num torto raciocínio dedutivo.
Ora, o que
se conseguiu com isso foi facilitar o assalto a automóveis, já que sem a película escura
os meliantes podem constatar a momentânea distração de suas presas ao volante,
bem como a sua eventual condição de mulher indefesa, para perpetrar com mais segurança
os seus ataques. Resultado: ninguém mais cumpre essa lei, que ficou sem
eficácia.
Agora vem outra
plêiade de notáveis impor a tal da “lei da palmada”, que certamente vai
prejudicar a boa educação das crianças no seio das famílias sadias e normais, e
não evitará que pais psicopatas e madrastas perversas trucidem e matem seus
filhos e enteados, como fazem no mundo todo desde sempre – e tanto a história quanto a
literatura o comprovam fartamente.
Todavia, ninguém tem
autoridade para impor condições dignas de sobrevivência e tratamento a homens,
mulheres e crianças que moram nas ruas das grandes cidades do País, ao relento,
traficando e consumindo compulsivamente drogas aliciantes e mortais, em guetos
imundos que o próprio Governo, nas três esferas, institucionaliza, respeita e legitima
como sendo “cracrolândias”.
Essas pessoas, por
lógica presuntiva, querem ser recolhidas e tratadas, na subjetividade de seu
estado normal; precisam disso, pela evidência de seu mau estado de saúde; e
devem sê-lo, ainda que compulsoriamente, pelo bem da sociedade, que perde seus cidadãos
para a droga e vê a pequena criminalidade alimentada pela compulsão dos
viciados.
Também se falece de
autoridade para coibir invasões de imóveis públicos e privados por grupos de
baderneiros, o ataque violento à sociedade sob o pretexto de fazer greve, de
realizar protesto político, de exigir a reforma agrária, como se isso
representasse o mais hígido exercício da cidadania e da liberdade de expressão,
entrevistas na democracia e nos postulados da República.
Por fim, não há ainda
quem tenha moral ministerial para dizer à Nação: a um, que a palavra “esporte”
pressupõe uma atividade humana lúdica em que as pessoas disputem de forma leal,
sobre o preceito olímpico do culto à saúde física e mental – mens sana in corpore sano; a dois, que, embora todas as
modalidades desportivas envolvam riscos naturais de acidentes, não faz sentido
tratar como esporte um jogo em que se vise objetivamente machucar o oponente,
provocar-lhe dor, tirar-lhe sangue, se possível fazê-lo desmaiar a custa de sufocamento
ou de pancadas; a três, que as verdadeiras
artes marciais, sejam as japonesas, as coreanas e mesmo a capoeira brasileira – que os atletas treinam e em que competem procurando conter ou tocar os
oponentes sem lhes afetar a integridade – não podem ser praticadas por dinheiro,
com fins circenses, como nas sangrentas arenas romanas, nem combinadas para
que se tornem beluínas.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado
e Jornalista
Titular
da Cadeira de nº 20 da ACLJ
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