segunda-feira, 30 de junho de 2014

ARTIGO (RMR)

PARTICIPAÇÃO POPULAR
Rui Martinho Rodrigues*


A democracia direta é o sonho recorrente dos “esclarecidos”. É promessa de ser sujeito das decisões políticas e dos destinos da pólis. É forma “superior” de organização política. Inoperância, arbítrio, violência e irracionalidade das multidões nas experiências históricas? Tudo isso é esquecido.

Formas tantas vezes fracassadas e abandonadas devem ter sérios problemas, como vulnerabilidade de assembleias à intimidação, à cooptação, ao domínio das claques. Nada disso é lembrado. Consultas plebiscitárias, tão usadas por Hitler e Mussolini, passando ao largo do Legislativo, são havidas como lídima expressão democrática.

Confunde-se a participação em grupos organizados com democracia direta, apesar da rima entre organização e dominação. A eleição de representantes por eleitores solitários, sem a tutela dos vaqueiros da boiada cidadã, é anátema. Os defeitos da democracia direta são evidentes, porque integrantes do mundo real. Comparada à “maravilhosa” democracia direta, imaginária ou dourada pela distância de um passado remoto, a democracia representativa é massacrada.
Assembleias são o paraíso de pelegos e claques. Quando um conselho tenta desenhar um cavalo retrata um camelo. Grande é a competência dos conselhos, quando se trate de paralisar uma administração, multiplicando reuniões e transformando-as num inferno, com agressividade e desrespeito. Conselheiros, ainda que sejam incapazes, são capazes de tudo.

Colegiados formados por dirigentes de organizações da sociedade civil aparelhada são vendidos como democracia direta. Tais líderes, com despudor, se dizem dirigentes. Não são representantes. Logo, a boiada cidadã é dirigida. Cai o mito do cidadão que é sujeito ativo das decisões políticas. A indagação sherlokiana ajuda a compreender o culto à democracia direta e aos conselhos. A quem interessa o crime? Aos vaqueiros da boiada cidadã, com a promessa messiânica de redenção da humanidade.

Mas utopia é matéria para outro artigo.

(Artigo publicado no Jornal O Povo de Fortaleza-Ce - Edição de 30.06.2014)

*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

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