quarta-feira, 18 de junho de 2014

APRECIAÇÃO LITERÁRIA (VM)

PALAVRAS QUE ENSINAM
Vianney Mesquita*


A verdadeira facilidade de escrever provém da arte e não do acaso, assim como são os que aprendem a dançar os que mais graciosamente se movem. (Alexander Pope .*Londres, 21.05.1688; Twickenham, 30.05.1744).


Disponho-me, publicamente, feito apreciador inconteste dos escritos firmados pela maioria dos colaboradores de academiacearense.blogspot.com.br, sítio instituído em ditosa ocasião pela Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, logo em seus alvores, em abril de 2011.

Com assentimento e aplauso do Presidente, intelectual Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues, esta iluminada ideia adveio do acadêmico, advogado e escritor Reginaldo Vasconcelos, a quem venero e respeito, pelo fato de ser pajem de tantos predicados, coluna a estear, na qualidade de secretário-executivo, em particular, a parte adjetiva da Corporação, na qual se inserta, entre dezenas de providências a si cometidas, a gestão do “blog” onde debulho as notas lidas no ensejo.

Neste comenos, todavia, fui estimulado pela ocorrência de haver lido, no dia catorze do mês fluente, aqui no periódico eletrônico extensor de nossas intenções, um escrito do acadêmico adiante nominado, de inusitada feitura, conquanto seja eu conhecedor, ao longo de trinta e tantos anos, de suas bem-afortunadas produções, do que é exemplo o livro Como Abraços, publicado em maio recém-passado, todas dispostas sob a cobertura das notações correntes.

Tenciono, pois, aduzindo razões, mencionar a qualidade e o alcanço literários nos textos do professor, jornalista, artista plástico, editor e escritor Geraldo Jesuino, desde o prefácio de meu primeiro livro, Sobre Livros – aspectos da editoração acadêmica (1984), os quais o leitor terá a ensancha de cotejar, ao decodificar o que está expresso em Rogério Bessa do Brasil...e do Mundo de Hoje, antelóquio quase tocaio de Poesia do Brasil e do Mundo de Hoje.

Por ordem de lugar, convém, de forma inaugural, atentar-se para o fato de que o Prof. Dr. Rogério Bessa, docente e estudioso da Ciência de Charles Sanders Peirce (10.09.1839 – 19.04.1914) e de outros teores afins a este complicado ramo das ciências glossológicas, é ensaísta celebrado nesse mister, poeta de fino veio, a incursionar, com mansidão e sem percalços, pelas ambages da Poética, consoante o procede também, no percurso de trânsito desembaraçado, por outras searas de que ousou e usou cuidar em sua autorizada produção literária, na Ciência quanto na Literatura.

É de necessidade, ainda, considerar na devida conta o fato de que, na poesia - a respeito da qual GJ faz consentâneas glosas, tendo sob escopo uma produção de RB - há certas munificências inadmitidas em língua-prosa, como as sentenças começadas por clíticos, determinadas elisões, próteses e outros tropos de adição e subtração, por exemplo. E isto - tome tento o leitor - se torna um calhau a mais no pedregulho, para quem, não aparelhado dos necessários utensílios intelectuais, se afoitar em comentários atinentes a temas desta espécie, submetendo-se à ameaça de, quase à certeza, desandar pela sandice e desabar no abismo da ingenuidade para, alfim, descansar no lodo da asneira.

Em adição, releva dizer, há o risco de quem assim procede conduzir ao engano aqueles receptores postados no seu nível, até mesmo em degrau abaixo, os quais, pela fé do carvoeiro (1), vão reproduzir a torto e a direito as falácias vistas, ouvidas e/ou lidas, num rosário interminável de transferência das intenções equívocas, tal representa o poderio imenso da comunicação, nomeadamente se repassadas por veículos de propagação massiva, jamais os de ondas de Hertz e rede mundial de computadores.

As produções de Geraldo Jesuino sucedem adversas às trivialidades peculiares aos estilos terra-a-terra, fogem do sem-sal e do desimportante, pois conferem valor ao emprego, ricamente diversificado, de todas as classes de palavras, mormente dos verbos, com as mui variadas acepções, desde os nomes (substantivos e adjetivos) às interjeições, e em suas significações plurais sob o permisso de uma língua magnificamente polissêmica e sincrítica (2).

Seu estro de poeta e artista plástico vai buscar – porquanto lhes conhece os caminhos – as acepções compadecidas a cada evento, a fim de conceder aos seus torneios a justeza gramatical e a acomodação estilística, conferindo ao escrito o estatuto de peça literária deleitosa e única, como a exprimir isto é meu, sou o autor, de sorte que, mesmo sem sua chancela imprimida, saberá o bom leitor ser de sua colheita o trabalho que tiver a ventura de deparar para consumir.

GJ não aceita, não é partidário, da ideia lindeira dos 500 ou 600 vocábulos, limitando-se o repertório da Língua Portuguesa, exclusivamente para facilitar a descodificação por parte daquele circunstante não aprestado convenientemente a ter habilidade de recepção. Em assim procedendo, o que acrescenta o escritor ao cabedal dos recebedores? Qual o contributo novo da peça, passível de conduzir à melhoria da recepção do lado de audiências mais desprovidas? Que pedagogia exerceu o autor de uma obra de repertório tão restrito? – Evidentemente, quase nenhum, pois prossegue instalada a mesmice, continua a usança, tem curso perene a rotina...
 
Isto Geraldo Jesuino logra denegar, quando emprega a Língua na sua admiranda extensibilidade, sem, todavia, carecer mostrar-se arrogante e inalcançável sob o espectro literário, conquanto – e tal já se depreendeu - seja exigível do contingente ledor boa circunstância de leitura; e, não o sabendo, eis a ocasião para, assentado numa escrita escorreita, correta e elevada, procurar apreender significados vocabulares e identificar significações estilísticas, a fim de alcançar o patim de bom leitor, ao exceder o portal da mera condição de alfabetizado e, em consequência, habitar o estádio de pronto descodificador.

Penso ser fácil verificar, mesmo o público menos atilado, os expedientes escriturais dele característicos, com vistas a conformar, a modo de estilo, as grandezas procedentes da atividade plástica que amanha e cultua às necessidades expressivas da Literatura. Assim, exercita dúplice estese, a redundar em mais donaire para sua prosa, e, de tal maneira, aferra sujeito a objeto da relação comunicacional, do começo ao remate, nas duas pontas do discurso.

É notório no produto literoestético de GJ o cuidado com a intervenção de terceiros, aos quais invita para convalidar ou falsear conceitos e, a igual do que operam os produtores convictos, caso as ideias mencionadas se mostrem confusas sob algum ângulo, ele recorre às notações de rodapé, para, sendo preciso, esclarecê-las e até falsear mensagens, como fez, v.g., em Rogério do Brasil ..., ao desabonar um neologismo não dicionarizado, malgrado haja aproveitado uma ideia de seu autor (nota 3).

De efeito, sem dúvida alguma, resulta falaz a intenção de liberar os textos da aplicação, quando couber, de quaisquer expedientes oferecidos pela Língua Portuguesa, a fim de deixá-los mais leves, sob o prisma da recepção, para os leitores menos aprovisionados intelectualmente, pois a estes cumpre é buscar a apreensão de conteúdos; apelar para as obras lexicográficas, o exame da Gramática, compulsar manuais de estilo e demais produções de referência, a fim de evoluírem, mesmo na autodidaxia caseira, para um patamar de leitura e decodificação condizente com o atual estado d’arte do conhecimento.

Não há de o escritor se esforçar a fim de, sem pedagogia alguma e abrindo mão da habilidade obtida em incessantes leituras e experimentos em laboratórios e lugares de prova, nas escolas e no recesso dos lares, muita vez, em altas horas da madrugada, a fim de nivelar sua escrita ao rés do chão, para ceder, rasteiramente, suas compreensões para quem não tenciona evoluir como bom decodificador de mensagens. Saber é muito bom. Aprender, porém, é penoso...

Daí por que prezo por demais escritos inteligentes, cultos e bem expressos como os de Geraldo Jesuino, distinguido, neste passo, no antelóquio do citado livro de José Rogério Fontenele Bessa, denotativo de seus aviamentos intelectivos e artísticos, pois, na realidade, pontificam como palavras que ensinam.

N O T A S

1 Fé do carvoeiro. Crença arraigada, a qual não aceita qualquer argumento em contrário. Advém desta historieta: o Demo, em disfarce de eremita, entrou na cabana de um carvoeiro a quem indagou: - “em que acreditas?” –“Creio no que acredita a Santa Madre Igreja”. –“E o que crê a Santa Igreja?” – “Crê o que creio”. Então, o carvoeiro se fechou em copas, ficando enganado o Demônio.

2 “Polissemia. Multiplicidade de sentidos de uma palavra ou locução (p.ex. , prato ‘vasilha’, ‘comida’ ‘iguaria’, ‘receptáculo de balança’, ,’instrumento musical etc; pé-de-moleque ‘doce’, ‘tipo de calçamento’. (HOUAISS;  SALLES VILLAR. São Paulo: Objetiva, 2005).
3 Síncrise. O mesmo que antítese – Contraste por demais nítido.

*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Meu caro e estimado amigo.

    Merecer tais avaliações, às quais me ajunto em crédito e confiança apenas por conhecer o caráter de quem as lavra, eleva e gratifica.
    Escrever, meu amigo, é uma dádiva quase sagrada, portanto tarefa que deve ser cumprida com humildade e desvelo, além do absoluto e necessário respeito que merece o leitor, mesmo o mais pequeno.
    Sou-lhe grato, não apenas por isto, mas por ser um dos tão raros paladinos defensores da nossa Língua.
    Grande abraço

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