REPÚBLICA,
IGUALDADE E ESPECIFICIDADE
Rui Martinho Rodrigues*
Rui Martinho Rodrigues*
Quando os atenienses resolveram sistematizar as suas leis formaram-se
dois partidos: republicano e aristocrático. Republicanos enfatizavam a
igualdade fundada nas necessidades havidas como iguais. Alegavam que todo homem
tem uma boca e um estômago. A igualdade universal seria o grande valor
(isonomia).
Aristocratas, liderado por Solon, o grande legislador
ateniense, alegavam que as leis não deveriam tratar igualmente os homens, mas
proporcionalmente às desigualdades, produzindo boas leis (eunomia), e a
referência da proporção era o mérito.
A pós-modernidade rompeu com as universalidades, focando
nas especificidades. Agora o fundamento não é a necessidade comum, fundada no
número de bocas e estômagos. As necessidades especiais amparam a eunomia via
proporcionalidade das necessidades. Não se alega o mérito, mas as necessidades.
Desde de que John Rawls e Donald Dworking polemizaram o mérito, a
proporcionalidade mudou o seu foco.
O STF, no início dos anos 2000, mudou o entendimento e
permitiu a investidura de um juiz cego, que nem sequer sabia ler em Braile.
Razões humanitária louváveis alicerçaram a decisão. Não se admitiria um juiz
que não soubesse ler, mas admite-se um juiz que não pode ler, que depende de
terceiros para o exame de provas e não pode ler a linguagem corporal de
testemunhas e depoentes.
Os direitos especiais são absolutos? Não existe direito
absoluto. Qual o limite da eunomia? Certamente que o interesse social. Evitar a
fragmentação pós-moderna do discurso, preservando a intelegibilidade da lei;
regras para todos na mesma situação; circunscrever-se às decisões
parlamentares, sendo vedadas à iniciativa de tecnocratas de ministérios; a
definição clara de quem é hipossuficiente, contida na reserva legal, incluindo
exigência de que a desvantagem deve ser involuntária; e a compensação vinculada
à desvantagem específica; o benefício visado deve ser parte do mínimo
existencial; e o interesse social não pode ser prejudicado.
No exemplo citado o benefício foi ser juiz, que não faz
parte do mínimo existencial. Tal concessão fere o interesse social, em face de
um magistrado que não poderá ler o processo, nem ver a linguagem corporal dos
depoentes.
Uma moça monocular, de família abastada, ganhou o
privilégio de pagar a metade da anuidade de um curso de medicina. Neste caso o benefício não está vinculado à desvantagem específica nem
o curso é mínimo existencial.
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