quarta-feira, 25 de junho de 2014

SEQUÊNCIA POÉTICA

PACTO
Luciano Maia


 Vai, poesia
até os ermos da minha pobre terra...
Dá um abraço de orvalho às madrugadas
poentas do sertão... Dá-lhes alento.
Vai, calmamente pede aos passarinhos
que emudeçam ao menos um momento.
Não mereço a alegria dos seus cantos.

Adentra a noite e o sono dos meus pais
e pede-lhes, por Deus, ainda uma benção.
Beija as suas frontes cheias de saudade.
Diz-lhes que eu aprendi mal a lição
copiada no meu caderno Avante
e até as pedras choram meu destino.

À minha doce mãe, que me perdoe
pelas vezes que a fiz chorar. Por lágrimas
derramadas por seu poeta-menino.
E diz ao meu irmão que não sou puro
como ele sempre quis acreditar.

Que o castigo e o remorso têm morada
em meu desconsolado coração.
Que a saudade me acorda e me golpeia
em meus sonhos de exílios e distâncias.

Diz às minhas pretéritas amantes
que a elas, na verdade, eu nunca amei.
Que só lhes presenteei de despedidas
e que as trai por nada, o inconstante.

Vai, poesia.
À minha dor não tens que regressar.
Nossa aliança agora se desfaz.
Não fazemos, por certo, um belo par.
Não venhas ver-me, amiga, nunca mais.


(Com paráfrase do poema Poste Ludum, de Emil Botta)

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QUE COISA ÉS TU!
Reginaldo Vasconcelos


Olho para ti e não sei o que estou vendo.
Que coisa és tu, além de seres gente?

Ou será que não és gente,
E não sendo, serás santa ou serás súcubo,
Anjo ou demônio,
Querubim ou potestade?

Como afrontas o mundo com esse escudo de cristal, tão frágil, e com essa adaga tão cortante quanto o fio de carbono?

Que confusão te apraz causar, que interesses revolver, com essa beleza de vela e de lareira, de regato e de cascata?

Meu Deus! A beleza é incêndio, é caudal, é catarata.

Que veneno juntas ao açúcar dos teus olhos contra as abelhas do mal e a peçonha das promessas?

Como, dize-me, como te exclamas tanto, nos fazendo interrogar constantemente? Como te afirmas sendo dúvida?

Como pagas à vida a tua dívida de ter nascido assim: bela como filha predileta; meiga como mãe no retratinho?

Como podes ser a um só tempo leão feroz e sutil gazela – falcão da estepe e passarinho da planície?

Como, conta afinal, como se faz para sorver o teu passado e lamber o teu destino.

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PÁTRIA AMADA
Paulo Ximenes 


Tão triste é sentir a pátria amada,
nesse talhão de incúria malfadada,
roçagando, assim, um povo inteiro
a um ermo escuro e traiçoeiro!

E os eleitos, em seus rasos passos,
cerram os punhos e cruzam os braços
beijam – em vão – a sua bandeira
como vissem nela a saga ordeira,
mas só cubam ouro em berço esplêndido
e o tangem em absconso vilipêndio!

Mas se erguerá da lama a mãe tristonha.
Vem Joaquim! Tua alma é pura!
Vem livrar-nos, por Deus, dessa vergonha
que se a água bate, insiste, e fura...
há de morrer, um dia, a dor medonha!

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JUSTIÇA
João Pedro Gurgel

Diante deste arcabouço de palavras
ancorado pela inefável ânsia de justiça
coloco-me diante da beligerância
em destronar verdades postiças.

Ante o crime da falsidade
sem alarde, noticio
pois melhor a dor da verdade
que o torpe benefício arredio.

Se Ártemis me escuta,
saiba que não fujo à labuta,
por mais dura que seja a luta
do caminho do bem.

A Justiça não se faz aquém,
posterga seu olhar no além,
faz-se no céu de um mundo altruísta,
ou nas pobres palavras de um jovem jurista.

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TROCADILHO
Vianney Mesquita


Era um Da Vinci em camafeu de ouro
No juvenil decote de uma dama,
Pois o valido engenho ao tento chama
Um homem interessado no Tesouro.

Ele, insistentemente, examinava
A áurea peça (ou divinal suporte?)
Qual o lúbrico olhar de um consorte
E, encabulada a jovem se quedava.

Eis, pois, que o joão-ninguém não recuou
E, ante seu inaudito estupor,
Conforme não se lhe asava outrora,

Determinadamente perguntou:
- Aprecias a Ceia do Senhor?
- Não. Admiro os seios da senhora!

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VIDA
Vicente Alencar

 

Os caminhos que levam ao coração
são todos libertos e abertos.
Às vezes, quando começam a fechar-se,
a vida começa a se perder.

A lei que rege os destinos
não é a mesma que rege os homens.

Compreender o coração,
a vida e o próprio destino,
somente é possível quando vivemos
amores e dores.

(Publicado no livro POLICROMIAS - 2010 - Vários autores).


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