segunda-feira, 9 de junho de 2014

ARTIGO (RV)

SÓ DEUS NA CAUSA!
Reginaldo Vasconcelos*

No nosso regime presidencialista a “democracia representativa” é uma grande farsa – isto já é ponto pacífico.

O eleitor brasileiro vai à urna porque é obrigado a fazê-lo, e estando lá vota em determinado candidato por critérios abstratos, circunstanciais – porque dentre as opões propostas determinada figura é mais simpática, mais fotogênica, mais engraçada, indicada por algum vizinho ou por algum cabo eleitoral, ou mesmo porque aparece mais vezes na TV. Mais ingênuos são os que conduzem seu voto acreditando em promessas de campanha ou para não dissentir de pesquisa eleitoral.

Pesquisas mostraram que muito antes do fim do mandato de cada eleito os seus eleitores não sabem mais dizer em quem votaram. Muito menos dizer por que o fizeram, obviamente. Enfim, ninguém, nem mesmo os poucos que  por acaso lembrem quem foram seus candidatos nas últimas eleições, acredita, ou tem a sensação de que no mandato eles o representem os interesses.

Até as pedras sabem que ninguém investe numa campanha política milionária e desgastante por puro espírito público, pelos belos olhos do povo, pronto a se sacrificar pela felicidade e bem-estar do cidadão que o elegeu – porquanto uma vez eleito ele comece a pensar numa maneira eficiente de conquistar novo eleitorado para o certame seguinte. Ele sabe, os que sufragaram seu nome até ali, com base nas suas promessas de campanha, vão estar decepcionados.

Porém, como se sabe, a reforma política não sai, porque quem teria que implementá-la iria sair prejudicado pelos novos regramentos. É uma autêntica aporia jurídica, um verdadeiro dilema lógico. Assim, somente por meio de uma revolução, com ruptura institucional, o país sairia deste impasse, tendo em vista que a oportunidade de fazê-lo pacificamente, adotando o parlamentarismo, por meio de um plebiscito, se perdeu há alguns anos. E a revolução seria uma solução péssima, porque, como sempre acontece, a emenda sairia pior do que o soneto.

Enquanto isso a Nação vive em constante convulsão. Os três Poderes da República estão sempre em crise surda, ora desarmônicos entre si, ora dependentes uns dos outros, tudo o que a norma constitucional não admite.

O País inteiro voltou a ser tão inseguro para o cidadão de hoje como talvez fosse a selva para os colonizadores ancestrais, que a qualquer momento poderiam ser atacados por índios, por animais ferozes, por insetos hospedeiros de doenças tropicais. O brasileiro moderno está constantemente exposto aos criminosos, seja na cidade ou no campo, na rua, no recesso do lar ou dentro de um hospital, durante uma missa ou no velório de um amigo.

O direito de greve, por seu turno, preceito democrático sagrado, no Brasil de hoje converteu-se em chantagem coletiva, em revolta popular, em agressão ao bem comum e ao patrimônio privado. E para não perder apoio eleitoral os Administradores Públicos de plantão vão sublimando a realidade, dizendo que estas manifestações são exercício do direito de livre expressão.

Na verdade, a ideia de democracia não pressupõe um grande saco de gatos nem um camburão de caranguejos. Na normalidade democrática ideal os diversos interesses convivem de forma harmônica, cada um aceitando os diferentes e respeitando as diferenças.

Os princípios republicanos, por seu turno, indicam que os confrontos ocorram no campo das ideias, por intermédio dos três poderes, se necessário com a intervenção sadia de legítimas instituições sociais, como a OAB, a ABI, a CNBB, o Ministério Público, a Maçonaria, os clubes de serviço, os órgãos de classe – nunca grupos sem personalidade jurídica e sem liderança definida.

O que se observa no País é a sociedade dividida em grumos antagônicos que adotam a violência em detrimento do diálogo, desrespeitando a norma jurídica e desprezando a intermediação da Justiça, enquanto o Estado se omite ou negligencia na aplicação do seu poder coercitivo, pela concepção equivocada de que democracia e anarquia se confundam.

São as siglas criminosas e ilegais, dotadas de notoriedade pública, que enfrentam a polícia com poder de fogo equivalente; as torcidas de futebol organizadas que se digladiam nos estádios e nas ruas; os sem-terra que invadem fazendas e os sem-teto que ocupam prédios públicos e particulares, e que enfrentam impunemente as tropas de segurança dos palácios de Brasília.

Índios aculturados que atacam agentes públicos; agentes públicos fazendo greve e até policiais amotinados, além de empregados de outros serviços essenciais como saúde, educação e transporte que promovem paredismo violento, fazendo toda a sociedade refém de seus corporativos interesses. Para não falar de manifestantes sem causa específica e de black blocs que de repente resolvem investir contra a paz social, sob os pretextos mais diversos.

Estes declaram guerra à cidadania como um todo, quebrando e incendiando lixeiras, pontos de ônibus, os próprios ônibus, caixas eletrônicos e mesmo as agências de banco, como também praticando saques, sem poupar sequer as lojas de pequenos empresários. E até agredindo a imprensa livre, o que destrói qualquer argumento democrático.

Diante desse quadro caótico, a Presidente da República baixa um decreto que acolhe tudo o que se possa vagamente classificar como “movimento social”, sem excluir os ilegais e os violentos, dando-lhes voz em todos os níveis da Administração Pública. É a baderna institucionalizada. Que Deus se apiede das nossas almas!


 *Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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