domingo, 8 de junho de 2014

ARTIGO (RMR)

A EXPANSÃO DO BEM PÚBLICO
Rui Martinho Rodrigues*


O significado e o alcance do bem público cresce de importância na proporção em que se estabelece uma curatela sobre os cidadãos, sempre para protegê-los, é claro.

Maiores de sessenta anos só podem casar em regime de separação total de bens (interdição parcial). Contratos assinados por pessoas capazes não valem se a letra for pequena, a linguagem hermética ou se houver grande assimetria entre as partes. Inimputabilidade? Sim. Medidas protetivas tornaram-se obrigatórias, como cinto de segurança nos carros e capacetes para os motociclistas. Vidas devem ser salvas. Limitaremos compulsoriamente a ingestão de frituras? Obrigaremos a população a praticar atividade física? Seremos obrigados a fazer seguro de vida, usar arame farpado e câmaras nas residências e a manter cães de guarda? Tudo isso é proteção, é bem público.

A decisão de adotar ou não medidas protetivas tende cada vez mais a escapar ao controle do cidadão. Pior: o usurpador nem sempre é o Legislativo. Tecnocratas decidem. São os nossos curadores. Somos incapazes. Reconhecemos e aprovamos a nossa interdição progressiva. Somos virtuosos! Indagamos: espelho meu, espelho meu, quem é mais virtuoso do que eu? Concordamos, em genericamente, com o acerto de medidas protetivas. Desprezamos a prerrogativa de escolher a conveniência e a oportunidade de adotá-las nas situações concretas singulares. Tudo porque não pensamos em nós mesmos. Achamos os outros incapazes. Estamos obrigando aqueles outros inconscientes. Sentimo-nos coautores da decisão, não importa se não nos consultam. Desprezamos o povo, imbuídos do “elevado propósito de educar” e estamos dispostos a... violar as normas que apoiamos para os outros.
Praticamos a velha e abjeta catequese jesuítica, confundindo o nosso povo com os índios do tempo do descobrimento. Os de hoje não podem ser doutrinados, seria violação da cultura. Só violamos a cultura do nosso povo, acoimando-a de “preconceito”. Não aparecem protetores quando os índios somos nós. É a Democracia dos “esclarecidos”. Quem sabe o que é certo não consulta o povo.

Política é juízo de valor. Juízo de realidade é técnica, não se resolve democraticamente. Transformar tudo em escolha cientifica satisfaz aos vaidosos que se consideram doutos ou querem aparentar tal coisa. Faz bem ao ego dos fariseus. É o DNA do totalitarismo.

A expansão do bem público, levando a publicização do direito privado, reduz o campo da licitude. Tudo passa a ser legal ou ilegal. A liberdade negocial desaparece. Contratos submetidos a excessiva regulamentação por normas cogentes, porque de natureza pública, perdem a condição de lei entre as partes. Isso expande o conceito de incapaz, sob o eufemismo de hipossuficiente, para oferecer proteção e exercer... poder! Nietzsche aludiu a “vontade de potência” sob tanta virtude. Solidariedade ou virtude sem ônus para os “generosos”. Outros pagam o pato.

Democracia pressupõe falibilismo e repúdio à volúpia do poder.

*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

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