A
EXPANSÃO DO BEM PÚBLICO
Rui
Martinho Rodrigues*
O significado e o alcance do bem público cresce de
importância na proporção em que se estabelece uma curatela sobre os cidadãos,
sempre para protegê-los, é claro.
Maiores de sessenta anos só podem casar em regime de
separação total de bens (interdição parcial). Contratos assinados por pessoas
capazes não valem se a letra for pequena, a linguagem hermética ou se houver
grande assimetria entre as partes. Inimputabilidade? Sim. Medidas protetivas
tornaram-se obrigatórias, como cinto de segurança nos carros e capacetes para os
motociclistas. Vidas devem ser salvas. Limitaremos compulsoriamente a ingestão
de frituras? Obrigaremos a população a praticar atividade física? Seremos
obrigados a fazer seguro de vida, usar arame farpado e câmaras nas residências
e a manter cães de guarda? Tudo isso é proteção, é bem público.
A decisão de adotar ou não medidas protetivas tende cada
vez mais a escapar ao controle do cidadão. Pior: o usurpador nem sempre é o
Legislativo. Tecnocratas decidem. São os nossos curadores. Somos incapazes.
Reconhecemos e aprovamos a nossa interdição progressiva. Somos virtuosos! Indagamos:
espelho meu, espelho meu, quem é mais virtuoso do que eu? Concordamos, em
genericamente, com o acerto de medidas protetivas. Desprezamos a prerrogativa
de escolher a conveniência e a oportunidade de adotá-las nas situações
concretas singulares. Tudo porque não pensamos em nós mesmos. Achamos os outros
incapazes. Estamos obrigando aqueles outros inconscientes. Sentimo-nos coautores
da decisão, não importa se não nos consultam. Desprezamos o povo, imbuídos do “elevado
propósito de educar” e estamos dispostos a... violar as normas que apoiamos
para os outros.
Praticamos a velha e abjeta catequese jesuítica,
confundindo o nosso povo com os índios do tempo do descobrimento. Os de hoje
não podem ser doutrinados, seria violação da cultura. Só violamos a cultura do
nosso povo, acoimando-a de “preconceito”. Não aparecem protetores quando os
índios somos nós. É a Democracia dos “esclarecidos”. Quem sabe o que é certo
não consulta o povo.
Política é juízo de valor. Juízo de realidade é técnica,
não se resolve democraticamente. Transformar tudo em escolha cientifica
satisfaz aos vaidosos que se consideram doutos ou querem aparentar tal coisa. Faz
bem ao ego dos fariseus. É o DNA do totalitarismo.
A expansão do bem público, levando a publicização do
direito privado, reduz o campo da licitude. Tudo passa a ser legal ou ilegal. A
liberdade negocial desaparece. Contratos submetidos a excessiva regulamentação
por normas cogentes, porque de natureza pública, perdem a condição de lei entre
as partes. Isso expande o conceito de incapaz, sob o eufemismo de
hipossuficiente, para oferecer proteção e exercer... poder! Nietzsche aludiu a
“vontade de potência” sob tanta virtude. Solidariedade ou virtude sem ônus para
os “generosos”. Outros pagam o pato.
Democracia pressupõe falibilismo e repúdio à volúpia do
poder.
*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10
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