DOIS
PESOS E DUAS MEDIDAS
Rui
Martinho Rodrigues*
Abusus non tollit usum (Provérbio latino)
O Direito consagra o princípio da legalidade dos atos
administrativos, até que se prove o contrário. As autoridades gozam da
prerrogativa da autoexecutoriedade, podendo implementar suas decisões sem
precisar de Mandado Judicial. O Poder Executivo tem o instrumento autoritário
chamado decreto autônomo (sem autorização dada por lei em sentido estrito),
bastando que não onere o erário. Tudo isso representa um voto de confiança dado
à administração, por necessidade da governabilidade.
O cidadão gozava, até anos recentes, da presunção de
inocência, também na modalidade juris
tantum. Ultimamente multiplicaram-se presunções de culpa, de
responsabilidade objetiva e outras suspeitas.
A lei da palmada nega aos pais o princípio da presunção de
legalidade dos seus atos, dada aos administradores públicos. Também a
autoexecutoriedade é negada aos pais. Palmada agora presume-se abusiva. A
negação da licitude dos atos dos pais é restrição da presunção de inocência. É
desequiparação injusta em face dos agentes do Estado.
Confiança? Só para autoridade estatal. Os pais são
autoridade privada. Preconceito ideológico? Talvez. Não se admite, pela nova
lei, que o poder discricionário dado aos agentes do Estado seja dado ao comum
dos mortais. A “República dos conselhos” (soviets,
em russo) não confia nos pais, só nos dirigentes da boiada cidadã, conselhos e
assemelhados. O Ministério Público e o judiciário são chamados a tutelar as
famílias, sob orientação dos fuxiqueiros de todo tipo.
Agentes do Estado têm o argumento da governabilidade.
Famílias não podem se tornar ingovernáveis? Pais cometem abusos contra filhos.
E autoridades, jamais abusam de suas prerrogativas? São mais confiáveis que os
pais? Ingenuidade ou malícia fazem tal discriminação.
Conclui-se um capítulo da judicialização das relações
sociais, que vem se somar à judicialização da política. Sogras, cônjuges em
disputa, filhos rebeldes e vizinhos maledicentes têm um prato cheio: denunciar
os pais nos conselhos, no MP e onde mais não se sabe. O abuso de medidas do
tipo inaudita altera pars, tomada por magistrado sem ouvir a parte contrária, destinada
a casos excepcionalíssimos, certamente levará a muita arbitrariedade contra
pais dedicados. Não presumo. Constato realidade observável nos casos de
violência doméstica ajuizados.
Burocratização das relações na família e insinuação de que
os burocratas, ativistas e murmuradores merecem mais confiança do que os pais é
a novidade. Destruída a autoridade na escola, os frutos não são bons. Repete-se
a experiência na família. O fundamento é o dogma da infalibilidade do diálogo.
Criminaliza-se a palmada, sacrificando-a no altar do dogma citado. O judiciário
– de agilidade duvidosa – superlotado de processos, resolverá ou agravará os
problemas?
O Código Penal enquadra pais (e quaisquer pessoas) que
cometam violência criminosa contra filhos. Bastaria aplicá-lo. Mas criar leis
dá aparência de virtude. É lição de Maquiavel e antiga prática de fariseus.
*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10
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