segunda-feira, 5 de junho de 2017

ARTIGO - Toleimas em Fala e Escrita Atuais (VM)


TOLEIMAS EM FALA
E ESCRITA ATUAIS
Vianney Mesquita*

       
É força capitular perante a ignorância e a tolice, assim como, pela mesma razão, se capitula perante um inimigo superior em número. (LEANDRO FERNÁNDEZ DE MORATIN. Madrid, 10.03.1760; Paris, 02.06.1828).



É simples notar no discurso verbal de hoje, na oralidade quanto no repertório grafado, o registro de sinuosidades na maneira normal e consentânea de exprimir ideias, em detrimento dos atributos da língua, mormente de correção e clareza e em prejuízo da enunciação, onde deve estar contida a estética da oração.

Este fato configura, pois, a banalização do estilo, forçando a equiparação, no plano inferior, daqueles praticantes de desvios linguísticos e elocutórios, ao cúmulo de todos falarem e escreverem no mesmo tom habitual, sem que ninguém se sobreleve sob o ponto de vista de um falante ou escritor especial, com modos peculiares de tornear, ao ponto de, com isto, ser de logo conhecido e apreciado.

Circunstância bastante mencionada na história da literatura mundial – e à qual aprecio vez por outra recorrer  é a referência procedida pelo naturalista, matemático e escritor de França, Georges Louis de Leclerc, quando recipiendário da Academia Francesa, ao proferir discurso (1753) na cerimônia de seu ingresso nesse silogeu célebre.

Naquele ensejo, Leclerc, Conde de Buffon, evidenciou o aspecto inerente ao estilo, o qual é defeso se separar do seu autor.  Uma espécie de Prefeito do Jardim do Rei, Buffon (Montbard, 07.09.1707; Paris, 16.04.1788), decerto, jamais atinou para o fato de que restaria eternizado em razão de sua sentença clássica – L’style c’est l’homme même.

Dita proposição – O estilo é o próprio homem – significa dizer que, se a ideia concebida pertence à Humanidade, o modo como o escritor a expressa é faculdade sua, sendo possível, dessarte,  mensurar os graus de seu talento e originalidade.

De tal sorte, os predicados de quem escreve conferem ao bom leitor a habilidade de saber, de antemão, o perfil do escritor; e até a credibilidade por parte do decodificador resta, de certa maneira, dependente dessa feição de quem comunica  ao falar ou redigir.

Agradáveis ao ouvido, deleitosos para a vista e benignos ao coração, os textos escritos e falas expressas ao compasso do bom estilo estimulam a audiência (no jargão comunicacional, os que veem, ouvem e falam) a prosperar na atenção até o remate do discurso, deste recolhendo o sumo precioso de uma ideia bem refletida.

No mesmo passo, se tais produções contiverem impropriedades elocutórias, vícios de linguagem, repetições desnecessárias, frases feitas e anacrônicas, manias, chavões, redundâncias, modismos e necedades – sem se fazer remissão a deslizes gramaticais e a entendimentos flagrantemente equívocos – o público ledor, de qualidade, vai largá-los e rejeitá-los para sempre.

Há uns trinta ou quarenta anos, têm ainda curso entre nós manias como de repente, a nível de, em termos de, de ponta, transparente etc,  porém, veem-se menos, porque os revedores de textos, de tanto baterem, lograram o intento de reduzir consideravelmente essas muletas quebradas do discurso, em especial do repertório escrito e, em particular – o mais grave  –  na ambiência universitária.

Parece que esses miseráveis modismos são oriundos dos nossos grandes aglomerados humanos, como, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo, e  invadiram a conversa e a escrita das pessoas com maiores habilidades de fala, detentoras de melhor sinonímia, de um linguajar mais culto.

São desconchavos, condenáveis, como os mais novos, aos quais nos reportaremos mais à frente, arraigados tão fundamente no discurso, de modo que ainda resulta muito comum a pessoa, numa comunicação curta, empregar uma dessas invenções.

Como se não bastassem os neologismos do economês, sociologuês e outros “dialetos” e patois, os quais sempre possuem correspondentes dicionarizados na língua, vêm estes antitorneios empobrecer cada vez mais o falar da gente comum, transposto a miúdo para a configuração escrita.

Eles surgem inopinadamente, sem tir-te nem guar-te, como os “gerundismos” - “ vou estar telefonando”; “é possível  estar ligando para o senhor?”; “Posso estar trazendo um cafezinho?”; e os “participioismos” – “ele tem comparecido todos os dias”, em vez de comparece...;   “eu sempre (“eu” de sobra, pois o verbo conjugado já denota a pessoa) tenho observado”, no lugar de observo... etc. etc.

Já não basta o “bom dia!”, absolutamente bem comunicado.  Agora tem de ser “bom dia a todos”, como se numa saudação a uma assistência o orador ou leitor pudesse fazer acepção de alguém no meio da multidão. E mais: tem de ser “a todos e a todas”, como se na Língua Portuguesa, consoante a lei que a aprovou, o genérico não fosse o masculino!

Já chegamos a ouvir, num determinado lugar público, um leitor, antes de iniciar seu convite, referir-se assim: “Bom dia a todos e a todas, aos adultos e adultas, jovens e crianças – meninos e meninas”. Isto, sinceramente, “clama ao céu e pede a Deus vingança!” – para empregar uma frase feita, tão ao sabor de escrevinhadores de tal jaez.

O mais teimoso, quase tanto ou mais do que o “de repente”, é a mania insalubre do “a partir” – o qual rivaliza com o mau vezo de “construção”, "construir” e o modismo doentio do “entorno”. Já detectamos onze vezes numa página de dissertação de mestrado esta indefectível truanice. Sugerimos, constantemente, “com origem em”, “esteado nisso”, “com arrimo em”, “com suporte em”, “com base em”, “com supedâneo em” e tantos e quantos outros modos de efetivar o pensamento, deseixado de tão desagradáveis reiterações.

No discurso forense, como retrógrados chavões, notadamente entre os estudantes de mestrado e doutorado, vem “o feriu de morte” (o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito), procedente, talvez, de algum bevilacquista ou seu coetâneo; “Neste diapasão” e “Nesta toada” servem para dar cafona continuidade ao raciocínio; e o “renomado (o certo é renomeado) jurista cearense (ele é paraibano), celebrado internacionalmente, Paulo Bonavides”... (ou qualquer outro).

No mesmo grau estão “através”, em aplicações equivocadas, em vez de “mediante a”, “por intermédio de”, “por meio de”, “mediado por” et reliqua.

Como se não fosse suficiente o estreitamento vocabular, por falta de conhecimento do léxicon português, esses modismos, frases feitas, chavões e mais e mais asneiras do discurso – especificamente o acadêmico – são substanciosos em sua teimosia e concorrem, numa crescente, para depauperar a vernaculidade nacional, pois dicções desprovidas de significante e ocas de significado, “sepulcros caiados” da elegância terminológica.

Alguns desavisados entendem que o fato de os empregar significa status, pois denotativos de estarem em contato estreito com a lexicografia praticada pela academia – e nas grandes cidades – em dia com a linguagem exercitada em universidades e institutos de pesquisa.

Impõe-se a coerência. É preciso passar na joeira as expressões adventícias e aculturar somente o que é salutar – e isto, en passant, no Rio de Janeiro e em São Paulo há de sobejo.

Voltem-se, pois, as vistas para a faustosa Língua Portuguesa, de recursos ilimitados e portadora da mais assinalada consistência científica.

Seja feito como procedem os alemães, franceses, ingleses e portugueses, que cultivam e cultuam seus códigos, sem radicalismos e com o máximo respeito, pelo menos nos discursos verbais, orais e escritos, em que é exigível a formalidade, como no caso da Academia. Evidentemente, a semântica se faz diversa no tempo e no espaço geográfico. Não tencionamos negar a normal diacronia das línguas. 

É possível, até, assentir na admissão, às obras de referência, de neologismos sem correspondentes dicionarizados, entretanto, há de se rechaçar expressões repetitivas, de aplicação oblíqua, inócuas e viciosas que nada acrescentam, mas, antes subtraem, modismos e palermices a fazerem de seus falantes e escritores pessoas antipatizadas pelos leitores de qualidade, proporcionais aos seus estilos, como entendeu que fosse Georges Louis de Leclerc, o Conde de Buffon.


Nenhum comentário:

Postar um comentário