quarta-feira, 3 de junho de 2015

CRÔNICA (VM)


FOLHA DE DEZEMBRO
Vianney Mesquita*


A memória é carteira da velhice: é preciso enchê-la. (APOLÔNIO DE TIANA – Y15 – 100 d.C.).


Vez por outra, felizmente, ao contrário de ocorrerem reminiscências tristes, sucede a rememoração de lances divertidos, o que me faz retroceder e folgar com certas passagens, pois, quando acontecidas, me tocaram de encanto e quedaram armazenadas no disco rígido da lembrança.

Quadra deveras plena de tarefas, porém repleta de contentamento laboral, perfiz de 21 de junho de 1987 a 20 de junho de 1991, tempo de administração reitoral do Prof. Dr. Hélio Leite, de quem, a convite, fui assessor especial e chefe de gabinete. Na oportunidade, desenvolvi intensivo labor em atividades adjutórias àquela Administração da Universidade Federal do Ceará, inserta na história, mercê dos dividendos que lhe aportaram, não apenas no desenrolar natural da subsistência institucional, como também no aporte de projetos exitosos na senda acadêmica, em especial, na exportação do nome da UFC para outros estados, excedendo as estremas do Brasil.

Equipe de primeira linha nos diversos escalões institucionais e corpo de servidores da melhor estirpe a UFC possuía – como se verifica ainda hoje – especialmente no Gabinete, cujo Chefe, o competentíssimo e saudoso Prof. Antônio Valdinar de Carvalho Custódio, sabia dirigir com o máximo de empenho e de responsabilidade funcional.

Ele e eu éramos obrigados ao mínimo de horas-aulas. Mesmo assim, desempenhávamos ao maior contento o expediente, nesse tempo ainda bastante burocrático, de sorte a não haver qualquer folga, sendo necessário, porém, nas mais das vezes, chegar cedo e sair mais tarde.

Era grande e prazenteira a movimentação de pró-reitores, diretores de centros, faculdades e órgãos suplementares, além de, com repetida frequência, pessoas da comunidade, os quais, antes de serem recebidos pelo Magnífico, ficavam na antessala, muitas vezes a conversar comigo, ao mesmo passo em que eu realizava as redações de documentos, os mais sérios quanto hilários temas, que aproveitávamos para motejos e caçoadas, fazendo hora com deus-e-o-mundo.

O Dr. Carlos Henrique Martins Ximenes, ainda hoje na Administração Superior, me havia repassado uma pecinha vencida de sistema PaBX de telefone, parecendo um edifício graciosa, interessante mesmo, ao ponto de deixá-la como adorno sobre a minha mesa. 

Todo mundo que passava perguntava – O que é isso? – Eram dezenas, centenas de vezes, até que decidi datilografar (ainda tinha curso esse verbo) uma fitinha para pregar na peça com os dizeres: Isto é um relé queimado. O primeiro que estancou foi o Prof. Dr. Carlos d’Alge, que só teve tempo de fazer meia pergunta: O que é... E deitou a rir.

Noutra ocasião, havia chegado – como aportavam à beça – um livro de universidade estrangeira (Espanha) com programas de graduação e pós, a tinta ainda nova, exalando um cheiro de cola bastante desagradável. 

Estava folheando a brochura, quando chegou a Professora Joseneide Franklin Cavalcante (Deus a tenha!), então pró-reitora-adjunta de Extensão, e me perguntou: – Que livro é esse?  Disse-lhe, pois, abrindo o volume ao meio: – Tem um cheiro muito ruim! Ela encostou o nariz e disse: – Horrível! Então falei: Veja de onde é...  Achando graça, disse: podia ser: é da Universidade de Mérida! 

De outra volta, achamos de dar de presente-surpresa de aniversário ao Reitor Hélio Leite um volume reunindo escritos de sua autoria sobre assuntos educacionais, que se intitulou, conferido por mim, Educação – Temas para Refletir, editado pela Imprensa Universitária caseira. Em visita à I.U., a fim de acompanhar a edição, topei uma folha de castanholeira imensa, jamais vista. Colhi e postei-a sobre minha carteira de trabalho, sendo fruto de indagações de quem passava ali.

Dezembro já era alto e o derradeiro a transitar, às 11h45min (fome grande!) para adentrar sua sala, vinha da Faculdade de Medicina, após despacho meio conflituoso com o Diretor – o Prof. Dr. Francisco Valdeci de Almeida Ferreira – de sorte que estava meio aborrecido. Era o Reitor Hélio Leite, que foi logo indagando: Que folha é essa, tão grande?! – A isso respondi: – É a folha de dezembro. Seguiu, de cara amarrada, até a entrada da sua porta, lado oposto da sala. De lá, falou: – Vai haver muita demissão aqui! [...].

No outro dia, o Magnífico retornava do Centro de Humanidades, onde se houve bem no encontro com o Diretor, Prof. Roberto Oliveira. Havia uma folha pequena, por mim de estudo trazida e também de Terminalia catappa, como era a outra. Troçando, logo indagou: E essa folha, agora? – Repondi-lhe: É a folha suplementar.

Gargalhou e entrou o Gabinete Reitoral.

Agora me lembro do Didi Mocó: tenho um balaio lotado!


*Vianney Mesquita 
Escritor e Jornalista. 
Professor adjunto IV da Universidade Federal do Ceará. 
Árcade titular e fundador da Arcádia Nova Palmaciana; 
acadêmico titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e 
Cearense de Literatura e Jornalismo. 
Membro do Conselho Curador 
da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, da U.F.C.

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