O SENTIDO DOS FATOS
Rui Matinho Rodrigues*
Uma das primeiras teses da “República”
de Platão é uma desclassificação do senso comum, criando uma hierarquia na qual
a superioridade da Filosofia em face do senso comum é ressaltada.
A tese é reafirmada no “Mito da
caverna”, representação do senso comum como ilusão. Omitiu o fato de que a
política não trata de escolhas técnicas, mas valorativas. Juízos de valor
constituem um campo em que o saber sistemático não é superior ao senso comum.
Nem a ciência pode desqualificar todo o saber derivado da observação e da
reflexão baseadas no bom senso.
A austeridade tem sido repudiada via
desqualificação do senso comum. Conter gastos nos limites da disponibilidade
financeira é bom senso. A revolta contra a austeridade se funda no pressuposto
de que a ciência econômica deve ir além da percepção imediata das
disponibilidades financeiras.
Teria a economia a tarefa de produzir
milagres? Não, a ideia é viabilizar realizações que o senso comum não alcança.
A fronteira entre o senso comum e a administração científica das finanças
realmente se situa nesta zona e uma coisa nem sempre
exclui a outra.
Austeridade seria mera contenção
ingênua de gastos? Não. Ela é também uma ciência. Por outro lado, a gastança
escudada no argumento de generosidade ou dos direitos sociais oferece
sustentabilidade e resulta realmente de um saber superior? A suposta obrigação
moral e jurídica viabiliza realidades? Sem querer atribuir à História a condição
de mestra, vale a pena consultar a experiência acumulada no Brasil e no cenário
internacional, no campo da economia.
Governos que tomaram como arrimo das
decisões econômicas considerações morais e direitos sociais; que desprezaram
evidências factuais como “ilusões do senso comum”, optando por fórmulas “geniais”
salvadoras têm ido à bancarrota, seja qual for a cor ideológica que se lhes
atribua.
Os trabalhistas britânicos, os
republicanos americanos, os socialistas portugueses, os comunofascistas da
Venezuela, bem como os governos brasileiros das mais diferentes tendências são
exemplos de gastança fracassada.
Consumo sem renda, renda sem produção,
aumento de renda sem aumento de produtividade, consumo sem investimento,
investimento sem poupança e muitas outras fórmulas milagrosas sistematicamente
têm fracassado em todo o mundo, não indo além de sucessos temporários.
A austeridade apresenta sucessos e
fracassos. Os governos de Franco e Salazar são exemplos clássicos de fracasso
austero, entendendo-se como insucesso a incapacidade de ir além da
estabilidade, sem promover maior acesso aos bens e serviços em quantidade e
qualidade. Não basta haver disciplina de gastos. É proveitoso cortar despesa de
custeio e preservar investimento produtivo. No Brasil, despesa de custeio se é
rigidamente incompressível.
Corta-se investimento. Caímos, assim, no círculo vicioso da recessão.
Corta-se investimento. Caímos, assim, no círculo vicioso da recessão.
A gastança, quer seja expressão de
generosidade, fórmulas geniais, demagogia ou tudo isso, a longo prazo fracassa
invariavelmente. A austeridade mal conduzida também fracassa. Bem formulada e
aplicada, porém, tem produzido sucessos.
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