domingo, 3 de fevereiro de 2019

ARTIGO - A Crítica Social (RMR)


A CRÍTICA SOCIAL
Rui Martinho Rodrigues*



Um professor de literatura, na Inglaterra, orientou a produção de um conto: um escândalo sexual, um mistério e a família real poderiam torná-lo mais atraente. Um rapaz fez o “dever de classe” escrevendo o seguinte texto: “A rainha está grávida e não se sabe quem é o pai”.

A crítica social também tem uma receita mais diversificada. Defenda a igualdade, mas de modo vago. Não faça distinção entre “desigualdade” (que é jurídica, social ou cultural) e “diferença” (que é física, legítima ou natural).

Não distinga entre igualdade de todos em tudo; de todos em algo; de alguns em tudo; de alguns em algo. Também não diferencie a igualdade de oportunidades da igualdade de resultados. O relativismo servirá de panóplia. Não existindo verdade, você jamais estará errado. Mas não deixe de invocar a verdade contra quem diverge de você.

A dialética, que Lucio Colletti (1924 – 2001) considerava “uma senhora de costumes cognoscitivos fáceis”, será de grande ajuda. Permite contradições escudadas na tese da unidade dos contrários. Use conceitos indeterminados, como justiça e dignidade humana. A exemplo do que ocorre com as obras de arte, cada um entenderá a seu modo. Joaquim Maria Machado de Assis (1839 – 1908), no conto Teoria do Medalhão, já recomendava o discurso vago como forma de contornar divergências e aparentar sabedoria.

A responsabilidade individual por crimes deve ser abolida ou minimizada, mas seletivamente. Negue a possibilidade de escolha livre e consciente. Ninguém perceberá que isso é incompatível com a democracia. Atribua as nossas decisões e condutas às estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, e o transgressor será vítima. Mas seja seletivo. Aponte a pobreza como causa do crime, ignorando a criminalidade dos ricos, sem deixar de condená-los, conforme a conveniência. Isso faz sucesso e a contradição não será percebida, ou a “senhora de costumes cognoscitivos fáceis” o absolverá. Também não notarão que se a pobreza levasse ao crime, então os pobres seriam criminosos ou, no mínimo, suspeitos, o que é um preconceito perigoso.

Pregue a solidariedade. Mas tenha o cuidado de estatizar as obrigações daí decorrentes, para que elas não recaiam sobre os seus ombros, mas sobre o Estado, cujo financiamento será parte do redistributivismo fiscal. Sim, distribuir a renda não pode faltar. Mas a renda a ser distribuída é a de quem ganha mais do que você, pois não seria preciso o Estado distribuir os seus próprios haveres.

Proponha colher sem plantar. É a velha promessa muito simpática da deusa grega Bem-Aventurança, mulher formosa e sedutora, que os críticos chamavam de Mentirosa. Confunda Direito com patrocínio e transforme direitos sinagmáticos com direitos potestativos, na forma de crédito sem obrigação. Direitos humanos devem ser ampliados até alcançarem toda elástica categoria das chamadas necessidades básicas, ou direitos sociais. Afaste a ideia de esforço, superação, responsabilidade, perseverança e outras virtudes. São valores desconfortáveis.

Pregue a necessidade de ter a mente aberta, mas aferre-se às suas convicções, não importa que elas tenham sido desmentidas pelos acontecimentos históricos em todas as suas experiências. Basta apoiar-se em autores de grande prestígio, de preferência que sejam muito lembrados, pouco lidos e ainda menos compreendidos. Não é preciso ser virtuoso, basta aparentar virtude, já dizia Nicolau Maquiavel (1469 – 1527).

Porto Alegre, 2 de fevereiro de 2019.






COMENTÁRIO

Este artigo do Prof. Rui Martinho Rodrigues é constituído de gorda proteína filosófica e da mais pura vitamina sociológica, entre fibras de carboidratos econômicos.

Mas o leitor que tiver preguiça de pensar não vai conseguir aproveitar a sua rica substância, simplificar os seus compostos complexos e absorver os óleos essenciais da sabedoria aplicada de que o texto é impregnado, a exigir do intelecto um vigoroso processo digestório.

Bem mastigado, o artigo demonstra o terrível engano das teorias messiânicas segundo as quais todos têm direito a tudo, a benesses gratuitas fornecidas pelo Estado, a promessa de leite e mel fluindo de forma dadivosa das políticas sociais, por força de lei.

Dando irônicas lições, Rui escancara o equívoco ideológico do “estado de bem-estar social” absoluto, independentemente de mérito ou de demérito dos beneficiários, indiferentemente ao que eles criem, desenvolvam, edifiquem, produzam, contribuam ou perpetrem – tudo sob a bandeira magnânima dos “direitos humanos”, um conceito sacrossanto e inefável.

A reflexão de Rui é especialmente oportuna no Brasil, neste momento de aguda crise moral, fiscal e previdenciária, em que a nova política disruptiva começa a sepultar mitos, crestar privilégios e mitigar injustiças.

Porém, em contrapartida, vai exigir os sacrifícios entrevistos em medidas moralizadoras e em grandes rigores penais, os quais serão impostos contra os desonestos de todas as castas, e os cavilosos de todos os níveis principalmente os egoístas e arrivistas elitizados, cúpidos por poder e pecúnia  mas também as hordas de desocupados por opção, reivindicadores profissionais, agitadores contumazes, insuflados por brancaleônicos ideólogos.

Reginaldo Vasconcelos


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