domingo, 24 de fevereiro de 2019

ARTIGO - O Argumento Progressista (RMR)


O ARGUMENTO
PROGRESSISTA
Rui Martinho Rodrigues*


Progressista é uma classificação política vaga ou imprecisa, como tantas outras. Supõe que a História seja evolutiva, na forma de uma marcha triunfal. Mas admite diferentes concepções de evolução. Deixa muito ao dispor das suposições do leitor, o que facilita o proselitismo. Como a obra de arte que cada um compreende ao seu modo, forma consensos superficiais e oculta o dissenso. Assim, há quem se considere progressista, manifestando preocupação com a natureza, com as boas relações interpessoais e consigo mesmo.

Sérgio Paulo Rouanet (1934 – vivo) entende que só haveria progresso humano se nós tivéssemos melhorado as nossas relações nesses três campos ao longo dos tempos. Nega, porém, que as nossas relações com o outro tenham melhorado, e diz que os nossos conflitos íntimos e as nossas relações com a natureza não melhoraram. Isto é: nega o progresso humano, a despeito dos enormes aperfeiçoamentos nos campos material, técnico, científico e das instituições jurídicas e políticas.

Jacques Le Goff (1924 – 2014), na obra História e Memória (Unicamp, 1996) também distingue entre progresso técnico, das organizações políticas, jurídicas e sociais e o da condição humana. Mas se não existe progresso humano, o que resta do progressismo? O entusiasmo com a técnica os progressistas tendem a ver como tecnicismo, termo pejorativo. O progresso científico é um pouco mais acatado, mas não é o das cogitações progressistas. Auguste Comte (1798 – 1857) era entusiasmado com a ciência, encarava o desenvolvimento cognitivo como o motor da história. Mas os progressistas não se alinham com o positivismo, preferindo considerar o conflito como a mola que impulsiona o progresso. O progressismo não é técnico, científico, nem um aperfeiçoamento das relações humanas, já que o conflito é o avesso da harmonia, mas não é nada disso, não havendo consenso entre suas subdivisões.

Um dos atrativos do progressismo resulta confusão entre o progresso humano e o das instituições jurídicas, políticas e sociais. Mas, se os progressistas soubessem disso oscilariam entre o reformismo voltado para as instituições e o conservadorismo preocupado em preservá-las. O progressismo olha para a organização das forças produtivas, não para a técnica, ciência ou instituições. O ambientalismo pode invocar a condição de progressista alegando que defende o aperfeiçoamento das nossas relações com a natureza. Mas seria preciso contemplar os outros dois aspecto: a relação com os nossos semelhantes e do homem com ele mesmo.

O progressismo é filho do iluminismo. Carrega a semente da cientificização do fenômeno histórico, social, político, psicológico e humano. A ideia de “leis da história” é inspirada em Isaac Newton (1643 – 1727), com suas leis da Física. Comte declaradamente tentou fazer uma Física Social, a qual depois denominou Sociologia, juntando palavras latina e grega. Karl Heirinch Marx (1818 – 1883) repudiou o positivismo, mas Friedrich Engels (1820 – 1895), seu parceiro de toda a vida, com quem escreveu em parceria a maioria dos seus livros, passa uma visão de “leis da História”, claramente demonstrada na obra A dialética da Natureza (Paz e Terra 1979), que cientificiza a “evolução humana” segundo leis da natureza, bem ao modo positivista.

O intelectual comunista Leandro Augusto Marques Coêlho Konder (1936 – 2014), na obra A derrota da Dialética (Editora Expressão Popular, 2009) admite a existência do que chamou de incrustações positivistas no pensamento de Marx. O relativismo e a crítica da indução e do dedutivismo, comum entre os que colocam o conhecimento como a expressão do poder dominante, certamente não se sentem confortáveis nesse progressismo. Desconforto haveria se soubessem de algumas destas coisas; ou se o progressismo não tivesse mil e uma faces distintas para acomodar os mais diversos entendimentos e, ainda, se a dialética, que Lucio Colletti (1924 – 2001) considerava “uma senhora de costumes cognoscitivos fáceis”, não os socorresse.

Publicado no jornal on line focus.jor e no blog da ACLJ.


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