sábado, 28 de julho de 2018

CRÔNICA - Com o Exército, Não Doi! (MMG)


COM O EXÉRCITO, 
NÃO DÓI!
Marcos Maia Gurgel*



Como 2ª Tenente R/2 do Quadro de Saúde, lotado no Hospital do Exército em Fortaleza, e cedido ao Quartel do 23º Batalhão de Caçadores, participei de uma Ação Cívico-Social em um pequeno Distrito do Município de Caucaia, região metropolitana de Fortaleza.

Hospital de campanha montado, iniciei o trabalho no começo de uma bela manhã. O primeiro paciente, um falante, que foi logo dizendo: “Toda vez que o Exército vem aqui eu extraio um dente. Todo mundo sabe que eu só extraio dente com o Exército, porque, com o Exército, não dói”.

Posicionei o saltitante paciente na cadeira odontológica – de campanha, muito sem conforto – e comecei a trabalhar. Logo de cara fraturei a coroa de um primeiro molar inferior. Mas fui por ele encorajado: “Vá em frente Doutor. É sempre assim. Eu sou descendente de índios, e tenho os dentes muito duros”.

Era janeiro de 1978, eu, em início de profissão, tinha pouca experiência. Então procurei me valer do Capitão Chefe. Procurei-o, mas não o encontrei. Então, consegui um esforçado soldado para me auxiliar e, não tendo a coroa do dente para facilitar a exodontia, iniciei o “quebra-quebra”, com cinzel e martelo.

Dava uma pancada e perguntava: “Doeu?”. E lá vinha a resposta indagativa: “Como Tenente, se com o Exército não dói?”. Duas horas de luta, consegui o intento, terminei a extração, mediquei o paciente e o dispensei.

À noite, no acampamento, eu já deitado, eis que o índio-falante procura pelo Tenente Gurgel... e quando o vi, imaginei: “Meu Deus, esse coitado deve estar morrendo de dor!”. Com o coração angustiado me dirigi a ele e perguntei: “Está sentindo alguma coisa, está com muita dor?”. E veio a resposta incontinenti: 

Não estou sentindo nada. Eu vim só saber se podemos arrancar o dente vizinho, amanhã de manhãzinha”. E repetiu o velho chavão: “Dor que nada, Tenente.  Com o Exército, não dói.


Nenhum comentário:

Postar um comentário