segunda-feira, 9 de julho de 2018

ARTIGO - O Samba do Crioulo Doido (RMR)

O SAMBA DO 
CRIOULO DOIDO
Rui Martinho Rodrigues*




A disputa entre desembargadores (conflito de competência) envolveu associações de juízes, membros do MP e da OAB. A repercussão deveu-se ao fato do objeto de conflito ser a suspensão da execução provisória da pena do ex-presidente Lula. A definição da vigência e da validade da norma no campo penal é altamente sensível. Divergência é normal em Direito. Porém, a desorientação do Judiciário abala a segurança jurídica.


O ativismo judicial e a Nova Hermenêutica Constitucional são expressões da pós-modernidade. Modernos buscavam conceitos válidos, classificavam e hierarquizavam normas. Admitiam universalidades, isonomia e completude do Direito. A pós-modernidade é relativista, nega as universalidades e a completude do Direito. Proclama a inadequação da normativa ao caso concreto. Substituiu a subsunção do caso ao texto legal – fundada nas técnicas de interpretação como a gramatical, a histórica, a lógica, a sistemática – pela argumentação, adotando a zetética.

Zetética é um método de questionamentos intermináveis e de ceticismo gnosiológico, adequado ao debate acadêmico e aos problemas teóricos que não terminam jamais. É um tratamento filosófico do Direito. A solução judicial de conflitos, porém, precisa ter fim em tempo razoável. Os cidadãos precisam distinguir o obrigatório, o proibido e o permitido. A reserva legal prevalecente no âmbito penal perde sentido quando se aceita o relativismo cognitivo da pós-modernidade, oculto sob o manto da zetética.

Admitir a inadequação da norma genérica à concretude dos casos específicos afasta a isonomia. Substituir a subsunção à norma pela ponderação é substituir as leis pela subjetividade dos homens. Nega a democracia. A singularidade dos casos concretos é falaciosa. O inédito é aparente. Invadir computadores e contas bancárias, por exemplo, são formas novas do velho furto e violação de privacidade.

A obrigação de fundamentar decisão não resguarda a segurança jurídica. O contorcionismo hermenêutico “fundamenta” tudo. A ética teleológica é outro salvo conduto para o ativismo partidário e a mercantilização das decisões amparadas em conceitos indeterminados. Desembargadores e ministros do STF batendo cabeça, cidadãos desorientados, perplexos e indignados desnudam o fracasso dos novos rumos dado ao Direito.

Confiar no novo Direito Natural, sem conceitos razoavelmente determinados, e com a imprevisibilidade da ponderação da autoridade e a falsa singularidade do caso concreto estão nas raízes do caos. Valores devem embasar o Direito. Cabe, todavia, ao Legislativo fazê-lo. A tripartição do Poder do Estado continua válida. Universalidades existem e ensejam a completude do Direito. A ponderação baseada nos princípios gerais do Direito e na analogia reservam-se à integração, não à interpretação do Direito.

Porto Alegre, 9/7/18.




COMENTÁRIO

Rui Martinho Rodrigues, grande cientista político e sociólogo refinando, mestre de todos nós, enquadra em seu artigo as recentes estripulias dos magistrados brasileiros, notadamente integrantes dos tribunais, como fenômeno jurídico, baseado em uma processualística pós-moderna, que ele considera equivocada.

Semelha uma análise científica que se fizesse das causas psicossociais das facções criminosas no Brasil, de tal modo que, ao fim e ao cabo do estudo, restasse mitigada a culpabilidade essencial de seus integrantes, colocando a explicação de sua conduta criminosa em complexos processos ontológicos, antropológicos, sociológicos.

Ora, o que ocorre de fato no crime organizado violento, na prática, pão-pão – queijo-queijo, é banditismo desvairado, a requerer combate efetivo e enérgico. Fizeram-se mil interpretações eruditas sobre o fenômeno do cangaço, mas ele somente cessou quando foi  militarmente enfrentado e exterminado.

O que acontece no Judiciário Brasileiro, a meu sentir, com todas as vênias, não é uma novel mentalidade jurídica que entenda, de forma intelectualmente elaborada, deva a norma ser adaptada ao caso concreto. O que está ocorrendo é a atuação ideológica de desembargadores e ministros de tribunais nomeados por políticos, ou pelo “quinto constitucional”, o que também é uma excrecência.

Advogado é advogado a vida toda; promotor e procurador o são para sempre. Só os juízes de carreira adquirem a embocadura adequada para julgar imparcialmente. Os juízes de fato não se conformam em ser apenas juízes de direito – com perdão do trocadilho. Eles querem fazer justiça.

Juízes de direito, que também o são de fato, são conscientes de que a sua função é distribuir justiça, assim como os cantores sabem que a sua função é usar a voz. Juízes de direito, que não são juizes de fato, são como cantores mudos. Sua judicatura é mero exercício de dublagem.   

O desembargador que tentou soltar o Lula se desfilhou do PT para se desincompatibilizar, ao deixar a advocacia para assumir a judicatura, pelas mãos de Dilma Rousseff, mas continuou um “cumpanhero”, defensor dos mesmos ideais, obviamente, que ninguém trafega facilmente de uma convicção ideológica para outra. 

O que ele fez, qualquer estudante terceiranista de Direito sabe que ele não poderia fazer. Não porque a prisão do Lula seja justa; ou porque ainda vigora o entendimento do STF no sentido de que o trânsito em julgado na Justiça Ordinária justifique o início da pena; ou porque os argumentos dos políticos que impetraram o habeas corpus fossem ineptos; ou porque não havia fato novo.

O Desembargador Favreto não podia acolher aquele habeas corpus porque ele era plantonista, e o desembargador plantonista somente pode decidir, em processos relatados  por colegas, em casos de intercorrências processuais imprevisíveis, flagrantes, que exijam uma canetada inadiável. Em emergências judiciárias, que requeiram medidas mais urgentes do que definitivas, tomadas por um julgador ocasional.

O que ele fez foi uma tentativa tresloucada de atender os interesses dos seus correligionários tradicionais, dentro da metodologia transversa que vem norteando a política brasileira. Aproveitando-se ele de uma aparente oportunidade, terminou por ficar desmoralizado, e por multiplicar os cadeados que trancafiam Lula da Silva. Agora vai ficar bem mais difícil alguém se atrever a tentar de novo. Lula é vítima novamente dos seus simpatizantes aloprados.

Reginaldo Vasconcelos
   
       

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