sábado, 28 de julho de 2018

ARTIGO - O Abandono da Cidadania (RMR)

O ABANDONO DA CIDADANIA
Rui Martinho Rodrigues*



Os brasileiros tomaram-se de indignação com a política tradicional. Explodiram nas jornadas de junho de 2013. Destituíram a Presidente Dilma. Encheram-se de entusiasmo e de esperança com as condenações da Lava Java, que também recuperou somas expressivas do dinheiro desviado do erário.


Criou-se uma expectativa de que os problemas seculares, agudizados pela recessão semeada pelo governo destituído, fossem resolvidos de imediato. O que temos, porém, é a mais profunda depressão econômica, cuja complexidade não permite recuperação a curto prazo. Raízes políticas e institucionais da crise não serão removidas com brevidade.

O público percebeu isso. A sucessão manteve no poder parte da composição do governo destituído. As práticas da velha e desmoralizada política continuam, indiferentes à Lava Jato. As idas e vindas do Judiciário colocam em dúvida o prosseguimento das investigações e condenações que fizeram o brasileiro sonhar com o fim da impunidade. Ficou evidente que não temos partidos dignos deste nome.


A falta de liderança capaz e confiável ficou evidente. O eleitorado perdeu a esperança. A ideia de emigrar atingiu proporções inéditas no Brasil, que deixou de ser visto como o país do futuro, para ser considerado um país sem futuro, no limite das projeções previsíveis. Saímos do exagero otimista para o pessimismo extremado. A situação é grave, mas tem solução, ainda que com prolongado sacrifício. 

A desesperança, todavia, levou os brasileiros na direção do voto nulo ou em branco. O não comparecimento às urnas, segundo pesquisas, tende a alcançar proporções preocupantes. É a renúncia ao exercício da cidadania. Quem está abdicando do voto válido? Os indignados e desesperançados. Algum líder, individualmente, ainda pode atrair votos na esfera do Executivo. O Parlamento, porém, não conta com a sedução dos salvadores da pátria, líderes carismáticos havidos como mitos. A renúncia ao exercício da cidadania é mais aguda no tocante ao voto para as casas legislativas.



O presidencialismo de cooptação foi desmascarado. O Congresso sofreu grande desgaste. As campanhas, que já estão em andamento há muito tempo, só tratam dos cargos executivos. O sistema proporcional desorienta o eleitor, que não sabe quem se beneficia do seu voto. Não temos desinteresse pela política. Desesperança é a atitude dos que se abstêm do voto. 

O sentimento tem fundadas razões. Mas nada pode ser pior do que a renúncia ao exercício da cidadania. Quem se beneficia da inapetência política? O velho e tradicional jogo da política de favores. Na ausência do voto cidadão, o voto vendido passa a ter um peso proporcionalmente maior. Outro beneficiado é o voto sectário, da militância de partidos de convicção, com todas as suas mazelas, que vão da intolerância messiânica ao comportamento inescrupuloso dos supostos salvadores, para os quais os fins justificam os meios.

Porto Alegre, 23 de julho de 2018.


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