Os Ensaios de
Nuntia Morata
Batista de Lima*
Ler Vianney Mesquita é resgatar a esperança nos ideais
culturais e no milagre da inteligência. (GENUINO SALES – da Academia Cearense de Letras).
É uma
temeridade escrever sobre Vianney Mesquita. Ele vai encontrar achegas e
adminículos. É tanto que sobre esse seu livro, “Nuntia Morata”, vai protestar
pelo emprego do vocábulo “ensaios” no título deste despretensioso texto, haja
vista que esse seu volume também é feito de “recensões”. Logo em seguida,
reclamará das aspas cercadoras do título da obra, que já aparecem no terceiro
período do escrito. Vai escrever-me uma missiva para avisar que títulos de obras
precisam vir em itálico, negrito ou sublinhado, jamais com aspas. Não tem
problema, aprenderei com suas lições, como o faço há tempos. Se não evoluí a
contento, não foi por culpa do mestre, mas por incompetência do discípulo.
Vianney
Mesquita é um guardião da Língua Portuguesa. Tanto por ela prima, que hoje é
difícil encontrar alguém com tanto zelo no trato da última flor do Lácio. Suas
notas são trabalhadas com tanta mestria que o leitor se farta da volúpia
linguística, ao ponto de se achar diante de um escultor, cujo pincel é a pena,
sendo a tinta palavra debutante. Transita das raízes da língua às
experimentações mais sutis. É tanto que, ante a indigência vernacular que se
abate por sobre grande parcela da juventude atual, esse “Arquiteto a posteriori”
reverbera sua vociferação na retaguarda dos cânones da língua de Camões. Sua
erudição possui raízes gregas e latinas ao tempo em que, no claustro,
vasculhava das tragédias de Sófocles às Catilinárias, da Ilíada à Eneida, com a
desenvoltura dos grandes ascetas.
Entre os
ensaios expressos no livro, destaque-se “Um Pobre Homem da Póvoa do Vazim”, em
que Vianney Mesquita não fica apenas como “voyeur” do prazer sobre os textos
que outros críticos elaboram. Ele vai mais além e, numa pesquisa fundamental,
acresce outras descobertas sobre a obra de Eça de Queirós.
Quando trabalha o lado jornalístico do Escritor português, mais distante
vai, por ser sua área de atuação, por muitos anos, como professor de
Comunicação da Universidade Federal do Ceará. A respeito das influências de Eça
sobre a Literatura Brasileira, ele cita Oliveira Paiva e Aluísio de Azevedo.
Outro ensaio
seu de cunho didático é “Deslizes na Escrita - Impropriedades do Discurso”.
Baseado na sua experiência adquirida como orientador e revisor de textos
universitários, esse trabalho não envereda pelo vezo de alguns escribas que
fazem sensacionalismo sobre os erros que encontram nesses escritos. Mesquita mostra
os equívocos, mas exprime todo um apanhado de soluções para os deslizes que
aponta. Seu trabalho traz, portanto, um objetivo educacional, tendo em vista
que o leitor termina por aprender a forma correta para sua escrita. Todas as
suas formulações vêm justificadas com suporte nas citações das fontes
consultadas.
Apesar de o
livro se acusar, além do título, de Ensaios e Recensões, há alguns textos
intermediários, que talvez não se enquadrem nessa nomenclatura. São os casos de
“Palavras que ensinam”, página 71, e “Edificação de um livro”, página 355 -
excertos que não necessitam de rótulos, apenas que sejam entendidos e
assimilados, preparados a fim de exercitar a cerebração. Para isso contribuem a
sinonímia variada e o pleno aprumo como a frase é lapidada. Surgem, então,
notações desengorduradas, em que a palavra vem com uma ossatura reforçada para
a sustentação do volume de sua significação. Sua seleção vocabular prima pelo
bom relacionamento entre as palavras nas vinculações sintáticas e semânticas.
Vianney
Mesquita é um purista. Já produziu em torno de duas dezenas de livros, todos em
defesa do bom falar e do melhor escrever. É hoje um dos raros intelectuais
cearenses a praticar a crítica literária. E o faz com a argúcia do olho
clínico. Na assepsia procedida nos textos acadêmicos que revisa e às vezes até
reconstitui, não perdoa excessos nem vilipêndios linguísticos. Para isso possui
o domínio do vernáculo, adquirido por décadas de docência e decência
universitária, sem falar na aprendizagem clássica dos tempos de estudos no
Seminário da Prainha. É uma permanente sentinela do nosso patrimônio
linguístico.
Essa
preocupação com o saber e com a melhor fórmula para sua disseminação levou o
escritor Vianney Mesquita a elaborar a melhor peça da publicação - “Saber
interdisciplinar na ciência da comunicação”. Este pode ser considerado o ensaio
culminante do trabalho sob comentário. O saber é um grande sistema marcado por
uma capilaridade em que nada existe só. As grandes conexões da ciência estão
ativadas. Passou o tempo da departamentalização dos saberes. O isolamento e a
retenção do conhecimento são prejudiciais à aprendizagem. Por isso que esse
ensaio adquire uma mensagem didática, principalmente para os operadores do
conhecimento. A interdisciplinaridade é uma forma de democratizar o saber.
Após a leitura
desses ensaios e recensões, o leitor se acha aliviado por concluir que ainda
existe crítica literária no Ceará. É evidente que ela não corresponde ao volume
da produção local, mas o trabalho de Vianney em garimpar o que aqui se produz
de bom é um alento para quem escreve. Seu mérito maior, entretanto, está na
forma como escreve. A Língua Portuguesa é tratada com esmero. A frase é
submetida a um polimento que só os grandes amantes do vernáculo conceberam
exercitar. É desse tipo de cultivador que precisamos, diante de tantos
estrangeirismos e empréstimos linguísticos que imputamos ao nosso código
linguístico. Vianney Mesquita está atento a tudo isso. Portanto, os usurpadores
do nosso idioma fiquem atentos: ainda temos verdadeiros defensores da amada
“Dvlcisonam et canoram língvam cano” , divisa da nossa – minha e dele –
Academia Cearense da Língua Portuguesa.
*Batista de Lima
Pedagogo, bacharel e mestre em Letras, escritor
fecundo,
professor universitário, dos lavrenses mais ilustres, como Dimas
Macedo, Filgueiras Lima, Linhares Filho,
Joaryvar Macedo e tantos outros.
Pertence às Academias Cearenses de Letras e da
Língua Portuguesa.
NOTA DO EDITOR
É possível ao leitor que não conhece nosso acadêmico Vianney Mesquita, a
julgar pelas informações que concede o escritor Batista de Lima, alcançar a
ideia de que ele é ou foi sacerdote católico ou seminarista por longos anos.
Na verdade, ele apenas foi iniciado no Seminário Arquidiocesano, em
Fortaleza, não chegando nem a completar um ano de internato, porém reconhece
nos colegas internos a influência cristã e o influxo literário que presidiram seus
escritos, pois consideráveis foram essas ascendências, notadamente na
Universidade Federal do Ceará, como, por exemplo, suas ligações intelectuais
com o Prof. Dr. Rui Verlaine Oliveira Moreira, entre tantos outros intelectuais
cearenses ex-seminaristas da Prainha.
Encontra-se na iminência de entrar no prelo seu novo rebento crítico e
literário, intitulado Reservas da minha
étagère – Aproximações Literocientíficas,
com cerca de 400 páginas.
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