EMPÁFIA BRASILEIRA
(Todos terminam da horizontal)
Vianney
Mesquita*
Ouço falar
muito mal da soberba dos grandes, porém esta não existiria sem a nossa vileza.
(Gottfried August Büerger, YMolmerswend, 31.12.1747; †Gottinger, 31.12.1794).
Consoante é de amplo conhecimento, empáfia,
dicção sinônima de orgulho, soberba, jactância, vaidade e de alguns outros
substantivos, é a vã arrogância, a insolência e presunção de uma pessoa que a
conduz constantemente no caráter, ao assumir a noção – estúpida e incoerente –
de que tem mais valor do que seus iguais, sob todos os prismas.
No Brasil, em alguns ambientes, principalmente nas cidades, hoje ocorrem,
amiúde, condutores de tal infraqualidade, portando ideias sustidas no
patrimônio de bens com representação monetária de usança e troca,
recorrentemente trafegando influência, inclusive e, principalmente, nos Poderes
do Estado, maiormente, sem dúvida, no âmbito do Executivo.
Tanto nos lugares grandes (conforme Fortaleza) como em comunidades
menores, nas denominadas terras de muro
baixo, têm curso ações dessas pessoas, quando pretendem sobrepujar,
ilegítima e ilegalmente, os seus reais pares sociais na base do prestígio,
vigor da “sabedoria” do indivíduo formado-deformado numa faculdade-dificuldade e com força financeira.
Sabem os estudiosos da formação social
brasileira que esse mau e teimoso costume é afiliado a um fenômeno denominado patrimonialismo, sucedido no nosso
País, nos tempos do Brasil-Colônia, certamente já trazido de Portugal, com
nefastos desdobramentos pela Primeira República, prosseguindo, sobranceiro,
pela Segunda, até trespassar, também altaneiro, quase incólume, o recente
estádio evolutivo da sociedade nacional.
E eis que se instalou, quiçá por
definitivo, no modus vivendi da nossa
enorme Nação, decerto inesgotável em seus recursos de ordem econômica e cunho
imaterial, ante o excesso de megafurtos e alcances financiais levados a efeito,
principalmente, pelos seus afilhados, incapazes, porém, de esgotar
miraculosamente seu imenso e lotado mealheiro econômico, semelhantemente a uma
fazenda enorme de uberosas reses leiteiras, semelhantemente ao que diz o
beiradeiro, “igual a uma vaca dos peitão”.
A pergunta “Sabe com quem está falando?” tem ainda solto curso na hora
de o presunçoso demonstrar influência, em particular, para obter vantagens
escusas, ao cortar desonestamente a fila dos direitos e aportar, pelo atalho
mais curto, à pole-position de tão
desregrada corrida.
Autores de renomeada internacional reportam-se ao fato e o patrimonialismo constituir um modo de
ajuntamento social, com suporte no patrimônio havido com o complexo de produtos
físicos e bens espirituais, desde que dotados de estimação comercial em valor
de uso e de troca, inclusa a mais-valia marxista ou fração de trabalho não
paga, e que são de propriedade de uma pessoa física ou jurídica, estatal ou
particular. Lendo-se Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Viana Moog,
Nelson Werneck Sodré, e tantos outros, vai-se aportar a esta verdade.
A soberba é a jactância do tal,
ufania patente do cara, tuxaua de todas as tribos, vaidade de dono da situação, a impostura
do colhudo do pedaço, do 30 de fevereiro, do homem ou do filho do homem,
garanhão de todas as fêmeas, derradeira coca-cola do Saara e, por fim, do indivíduo que não
pensa ser Deus, mas disso tem certeza.
A empáfia está radicada de
modo inextirpável na sociedade nacional, assentada na ideia patrimonial, no ter
como superior ao ser, de tal modo que ainda toma conta da realidade pátria, a
despeito das conquistas recepcionadas pela Constituição de 1988, inserta nos
poderes sugeridos por Montesquieu.
Anexim popular, de profundez imensa, dá conta da verdade chocante de que
existem pessoas tão pobres, excessivamente indigentes, que só têm mesmo o
dinheiro, nada mais..., enquanto outro aforismo de semelhante procedência traz
à tona o fato inconteste de que mortalha não tem bolso, tampouco caixão possui gavetas.
A cultura popular, particularmente o cancioneiro, está cheia de alusões
às bancas dessas pessoas picadas pelas moscas azuis, os dinheirudos analfabetos,
desprovidos de outras faculdades e ensoberbecidos pela pecúnia, a qual lhes não
aproveitará em nada, a não ser para deixar de herança aos outros; bem como os
que amealharam algo de opulento, física e imaterialmente, enfim, todos os que
hajam adquirido QUALQUER sortimento
pecuniário, achando de posar como distintos da plebe rude. Esta é, não custa refrescar a memória, referida por Miguel Gustavo, no Café Soçaite, gravado por Jorge Veiga, em 1955, tantas vezes por mim ouvido na “radiadora” do Cabo Maheiros, na Palmácia bucólica dos Cinquenta. (Enquanto, ó plebe rude, na cidade dormes, eu ando com Jacinto, que também de Thormes; Teresas e Dolores ...)
pecuniário, achando de posar como distintos da plebe rude. Esta é, não custa refrescar a memória, referida por Miguel Gustavo, no Café Soçaite, gravado por Jorge Veiga, em 1955, tantas vezes por mim ouvido na “radiadora” do Cabo Maheiros, na Palmácia bucólica dos Cinquenta. (Enquanto, ó plebe rude, na cidade dormes, eu ando com Jacinto, que também de Thormes; Teresas e Dolores ...)
Ainda é a regra, mas há, venturosamente, exceções de ricos e
intelectuais que, como camelos(*), passarão pelo fundo da agulha e adentrarão
o Paraíso. Infelizmente, entretanto, em poucas cabeças assentará esse chapéu!
Lembro-me dos anos ’50, quando saiu uma modinha, de profundíssima
filosofia, conquanto de muita simplicidade compositiva, contendo verdadeiro
libelo contra os meramente endinheirados (ou simplesmente arranjados), os quais
ostentam poderes não desfrutados. A poesia reproduzida à frente é capaz de
derrubar qualquer distinto de sua pose de gente “rica” e “importante”.
Reporto-me à letra de Banca do
Distinto, da autoria de Billy Blanco – nome artístico do arquiteto e
compositor paraense (YBelém, 8.5.1924; †Rio de Janeiro, 8.7.2011), William
Blanco Abrunhosa Trindade – interpretada, salvante engano, pelo próprio Billy,
por Dóris Monteiro e também Elis Regina, dirigida àquele que
Não fala com
preto,/ Não dá mão a pobre /Não carrega embrulho. Pra que tanta pose, doutor?/ Pra que esse
orgulho? A bruxa, que é cega, esbarra na gente/ E a vida estanca./ O enfarte
lhe pega, doutor./ E acaba essa banca.
A vaidade é
assim: põe o bobo no alto/ E retira a escada,/ mas fica por perto, esperando
sentada/ Mais cedo ou mais tarde, ele acaba do chão./ Mais alto o coqueiro,
maior é o tombo do coco.
Afinal, todo
mundo é igual / Quando a vida termina/ Com terra em cima e na horizontal.
Acumulo ainda bem viva na lembrança uma composição registrada em disco
por Jorge Veiga, em parceria com Badu – reportando-se ao fato de não adiantar ter dinheiro, nem tampouco ter cartaz/ É
inútil seu esforço, pois na hora você vai./ Você vai, você vai pra onde eu vou
(...) Na cidade dos pés juntos, todos nós somos iguais... Você vai (...).
Por fim, parando de mexer com os soberbos patrimonialistas, recorro de
novo à coleção de modinhas nacionais, pedindo que eles atentem para mais uma
lição, agora com o texto da música, de Ary Monteiro e Peter Pan, registrada em
disco por Linda Batista. No fim, como distingue o leitor, os autores evocam a
famosa “Prova dos Noves”, ao modo de uma pesquisa científica, para justificar a
metodologia como caminho a fim de aportar a uma verdade insofismável, expressa
na reflexão de um anônimo: A caminho do
cemitério, encontraram-se dois amigos: “adeus”, disse o vivo. “Até logo” – o
morto respondeu. Vamos à letra.
FILOSOFIA
BARATA
Ninguém faz
graça com a barriga vazia/ E passar fome nunca foi filosofia./ Vai trabalhar,
vai trabalhar,/Primeiro comer, pra depois filosofar.
Nove dias tem a
vida,/ Sendo três dias de amor, /três dias de mentira,/ E três dias de dor.
Depois da conta
somada, vem a Morte e tira a prova: NOVES FORA, NADA!
Recorrei, pois, oh soberbos, à Prova dos Noves!
(*) Camelo é um termo náutico significativo de uma grossa corda. Está em
Mateus, capitulo 19, verso 24: E lhes
digo mais: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um
rico entrar no reino dos céus.
NOTA:
Duas grandezas distintas se observam
na pessoa: a sua dimensão humana, que lhe é intrínseca, e a sua compleição
socioeconômica, episódica e fugaz.
Nada impede que as duas grandezas se
combinem, de modo que o individuo tenha alto valor moral e elevada estatura
política, patrimonial ou social.
Contudo, infelizmente, tudo conspira
para que a notoriedade pública e a fortuna econômica prejudiquem o bom caráter,
gerando cupidez e empáfia, e que o espírito nobre obste a fama e a abastança.
Reginaldo Vasconcelos
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