sexta-feira, 15 de agosto de 2014

LITERATURA (VM)

DUAS ESTÓRIAS - DOIS SONETOS
Vianney Mesquita*

Só há poesia no desejo do impossível ou na dor do irreparável. (Charles-Marie LECONTE DE LISLE  *Saint-Paul, 22.10.1818; Voisins-le-Bretonneux, 17.07.1894).


Meu colega de departamento acadêmico na Universidade Federal do Ceará, Prof. Francisco Souto Paulino, ao estacionar o carro nas proximidades do Sindicato dos Jornalistas do Ceará, para onde se dirigia a fim de se reunir com outros profissionais de imprensa, foi assaltado, recebendo um tiro do peito e outro na mão.

Desacordado e em estado grave, foi conduzido por sua mulher (a também periodista Leda Maria) a um hospital, onde os projeteis foram removidos, tendo ele permanecido institucionalizado por considerável tempo, porém, forro de perigo, até receber alta.

A família mandou celebrar Missa de Ação de Graças, ocorrida na Igreja de Cristo Rei, em Fortaleza, no dia 12 de abril de 2007, ocasião em que lhe dirigi os versos que aí vão, produzidos na grade de SONETO, procedente da Provença antiga, na sequência deste comentário.

Rota do Soneto

Não demora informar, sob o prisma histórico e com informações de público domínio, o fato de o soneto – em provençal sonet – haver sido cultivado por nomes prestigiosos da literatura pré-humanista, durante a Renascença e após este período resplandecente da cultura ocidental.

Esta grade poética experimentou longos decursos de transformação, constituindo relevante fato a determinação de uma forma fixa, concisa e agradável, promovida por um pugilo de versejadores sicilianos, encabeçado por Jacopo da Lentini (Lentini – Sicília-Itália, antiga Leôncio).

Não é defeso, também, referir que este grupo, a que Dante Alighieri (1260-1321) chamou de Scuola siciliana (em A Eloquência Vulgar), reunia-se em torno do Imperador Frederico II, de Hohenstauffen (1194-1250), espécie de mecenas, cujo secretário era Pietro dele Vigne (suicida no Inferno – Divina Comédia), e era constituído, dentre outros, por Cielo d’Alcomo, o citado Jacopo da Lentini, Ruggiero Apugliese e Giacomo Pugliese, todos eles cultores do soneto.

Francesco Petrarca (1304-1374), humanista da Toscana, nascido em Arezzo e a quem equivocamente se atribui a invenção deste gradil poético, empregou sua fórmula para cantar, nas Rimas, seus (tão propagados pela História) amores pela bela mulher de Hugo de Sade, por quem se apaixonou à primeira vista.

Da Itália, Francisco Sá de Miranda (1481-1558) levou a medida para Portugal na primeira metade do século XVI. O soneto possui, hoje, quatro esquemas básicos de acentuação, consoante taxinomia proposta por Sânzio de Azevedo (Para uma teoria do verso. Fortaleza: Edições UFC, 1997), que reconhece outros delineamentos, cada qual com suas variantes.

A propósito do emprego da assente grade siciliana, o Autor (em Otacílio Colares e a coroa de sonetos, in: Dez ensaios de Literatura cearense – Fortaleza: Edições UFC, 1985), num belo escrito acerca desse extraordinário sonetista – 1918-1988 – sugere ao leitor outro ensaio de sua autoria, publicado em 1970, no qual alude à chamada Geração 45 (in Poesia de todo o tempo, Edições Clã, pp. 63-8),

[...] no trabalho de redisciplinamento do verso e, consequentemente, reabilitação de antigas formas poemáticas, entre elas o soneto, quase banido da literatura nacional, ao ponto de, em 1936, a coletânea A Nova literatura brasileira, de Andrade Murici, não abrigar um só desses poemas de forma fixa.

Esta quase proscrição – adita Azevedo – originou-se de uma epidemia desta forma que grassou no Brasil de literatura pré-modernista, ensejando ao escritor paulista Cassiano Ricardo (São José dos Campos, 1895-1974) divisar na antiga composição provençal o pandêmico Sonetococcus brasiliensis (opus citatum), conquanto aquele Poeta do vale do Paraíba, em 1938, creditasse o soneto à conta das [...] nossas mais caras recordações (RICARDO, apud AZEVEDO, 1985, p. 102).

1 Souto Ressurrecto

As anunciadas estrofes representam uma ideação poética de quatro estâncias – dois quartetos e dois tercetos ou trísticos. Aqui se destaca o emprego da rima encadeada – hoje bastante rara em poetas novos – nos oito versos das duas quadras, fato a conferir mais beleza à composição.

Acuso, no entanto, um defeito – o fato de não haver consoado a primeira com a segunda estrofes, fato do qual só me dei conta após a publicação, com a referência que procedeu a respeito o Prof. Dr. Rafael Sânzio de Azevedo. Noutro lance, decerto, vou consertar o desvio que impingi à grade e concertar as rimas.

E assim se vive; desta maneira se aprende...

Dileto e nobre professor Paulino,
Cujo destino seus amigos prezam.
Agora rezam ante o desatino
Tão de inopino quase as Parcas lesam. 

No ápice do abalo e da agonia,
Naquele dia - trágico, funesto -
Bem mais que presto, eis Leda Maria
Logo acorria contra o termo lesto.

Empós extenso tempo de hospital,
Não granjeando a foice seu fanal,
Em vez de condolências, há prolfaças.

Agradecidos, pois, seus circundantes,
Ao Deus da vida em todos os instantes,
Pios se ajuntam em Ação de Graças. 

2 Prof. Régis Kennedy

Este amigo e colega do magistério é natural de Pacoti,  município vizinho da minha Palmácia. Conheci-o na U.F.C. ainda quando estudante de Letras daquela instituição, onde se graduou e pós-graduou. Procede de uma família muito fina e educada e é um grande apreciador da Literatura, da Música e da Cultura como um todo, bem como ocorre com seus irmãos Plauto Jackson e Adyrson Byron – ambos músicos e compositores - (os outros, que são muitos, não conheço).

Professor de Língua Portuguesa e do idioma Inglês, trabalha duro em dois contratos que mantém com as redes estadual e municipal de (Ceará e Fortaleza), porém ainda lhe sobra tempo para o exercício das atividades do espírito (e do espirituoso, também), em especial, na escrita, pois detentor de excepcional texto.

Casado com Dona Rejane Carvalho Cruz, o casal têm dois filhos – Rafaela, psicóloga clínica, pesquisadora e articulista de temas vinculados à Ciência de Carl Gustav Jung, atuante na UFC, e em consultório particular; e Lucas Vinícius, ainda garoto, acerca de quem me reportei em matéria publicada neste jornal eletrônico no dia 18 de maio deste ano, indicando seu nome como verso decassilábico perfeito – Lucas Vinicius de Carvalho Cruz - tal como é dodecassílabo exato o crédito do poeta Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.

Em 2 de fevereiro de 2004 – há um pouco mais de dez anos, portanto – dediquei-lhe estas estrofes, também com a eiva de não rimar os versos dos quartetos, a igual do que sucedeu com o primeiro  soneto, há pouco reproduzido, falha da qual me cumpre redimir.

No clerical mister de professor,
Em que te descometes da missão,
Pareces debulhar uma oração,
A fim de que se ilustrem teus pupilos.

Assim, ao dirigir-se ao Criador
- Contrito, piedoso e genuflexo -
Um companheiro teu queda perplexo,
Pois defeso enxergar quaisquer vacilos.

Se Régis és porque de reis derivas,
Também maravilhas teus convivas,
Porque és modelo, personagem sã.

Notar muito me apraz tua postura,
Teus procederes de intenções mais puras

Como o aljôfar nevado da manhã...


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista

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